segunda-feira, 12 de julho de 2010

Zé Pequeno

Escrever sobre coisas difíceis é difícil porque é importante haver coerência e tato. É importante escrever sobre assuntos mornos.

Fiz meu dever de casa. Pessoas tidas por hiperativas têm a mania de procurar profissionais da área de psicologia e seus tratamentos. Para não dar esse tipo de trabalho para os outros, tenho meus próprios métodos de relaxamento. São tão diversificados quanto os gastos o permitam.

Uma das mais gostosas – e cansativas – é pescar. Tudo o que vice precisa é de um molinete, linha e anzóis. Mesmo as iscas muitas vezes podem ser obtidas no local. O Goiás é um dos estados melhores providos em rios de pouca largura, e isso não significa que não tenha peixes. Ou seja: pescar é uma boa para quem está de qualquer modo preso à cidade.

Outro bom recurso para evitar as desconfortáveis – e mormente inúteis – conversas com gente diplomada em loucuras é fazer MotoCross nas estradas goianas. Um barato, só que também despende dinheiro. E exige uma moto.

Então o hobby usual é manutenção veicular. Consertar o carro para a semana que inicia. Mas nesse final de semana fiz um lance diferente.

Uma das recomendações mais constantes que um amigo que freqüentou consultórios acolchoados foi adquirir um aquário.

Fiquei viciado nesse hobby. Comecei com um aquário modesto, e hoje tenho dois. Faço várias experiências relativas ao comportamento dos peixes. Quando a gente não conhece o universo próprio desses animais domesticáveis, a gente pensa que é tudo igual. A realidade é que os peixes são tão diversificados em seus hábitos quanto nós. Os soberbos humanos.

Há peixes agressivos, peixes pacíficos. Peixes de personalidade agitada, outros de movimentos moderados... um aquário é sem dúvida tão dinâmico quanto qualquer setor de trabalho. A questão de quem possui um aquário é a mesma de qualquer cidadão: obter o equilíbrio do ambiente. Estabilizar o aquário.

O problema é que para obter um aquário devidamente estabilizado é necessário uma série de fatores. Por incrível que pareça não é difícil obter um bom resultado, mesmo sem a biologia apropriada.

Se você quiser ter um aquário ordinário, com peixes pouco diversificados, você pode dotar um aquário de uma bomba biológica e algumas piabas. Piabas são peixes extremamente resistentes, não necessitando sequer aquecedor para a água. Não crescem mas são vorazes contra peixes que estejam em menor número.

A presença de piabas no aquário de peixes ornamentais causa estresse às demais espécies. Sentindo-se ameaçados, os peixes deixam de se movimentar livremente no aquário – e exercitarem naturalmente. Isso causa o definhar crônico de várias espécies.

Há peixes que necessitam de maior oxigenação e controle de acidez da água. Água também pode ser “viciada” em amônia como o ambiente pode ficar saturado de cigarro. Alguns peixes são mais tolerantes à amônia. Peixes como o Dojo e o Coliza.

Entretanto, não é interessante mantê-los em água fria. Afeta seu apetite e sua longevidade.

Então eu tenho atualmente dois aquários: um com piabas de água fria e outro de ornamentais. É como se simulasse dois ambientes distintos: o ambiente de tropa de um batalhão de piabas e um ambiente de comando: os ágeis Dojo e os atentos Coliza Super Blue.

Bacana foi quando comprei o Oscar. Identifiquei-me com o peixe imediatamente. Ele presta uma atenção danada em volta. E me reconhece. A questão é que quando cheguei em casa percebi estar na mesma situação operacional. Não que me considere pessoalmente um peixe, mas transito entre a tropa e o comando com o mesmo desembaraço de um Oscar.

O que fazer com um peixe que fica voraz conforme cresce?

Pus o Oscar no aquário das piabas. Piaba não é um bicho burro. Come de tudo, mas sabe o risco de enfrentar um peixe de boca maior. O Oscar, por seu lado, não ataca mas se volta em atitude agressiva decidida a todo momento. As piabas aproximam-se devagar. Uma delas tentou mordiscar seu rabo e foi rechaçada com uma abocanhada forte. O “estalido” característico causou um “piaba-voa” que manteve os oponentes à distância o resto do dia. Percebi que se mantivesse o mini-predador naquele aquário não sobraria nem o chefe. Uma piaba grande, sobra de uma pescaria. Mesmo assim, uma ordinária piaba.

Removi o pequeno Oscar para o aquário dos ornamentais. Não pensei muito, porque neste caso quem pensa não age. Cinco Dojos, quatro Coliza e um Oscar. Eu tinha observado que o Oscar tocava um terror entre as piabas, então passei a chamá-lo “Zé Pequeno”.

Zé pequeno vai crescer. Só não pode furunfar com as enguia. E seria difícil. Os Dojo são muito mais ágeis que os Oscar. E esguios. E os Coliza são meio mansos. Ou seja: pus o Zé Pequeno na boca rica. A estratégia é óbvia: se deixar com as piabas ele vai se estressar e comer todas as pequenas. De quebra vai mutilar as restantes. Um prejuízo para a próxima pescaria. Então pus junto com outros peixes de “comando” para educá-lo com mais polidez. Tem dado certo. Não houve uma agressão durante todo o dia no aquário “boca rica”! Conforme o aquário fique pequeno, mude o aquário.

Como disse, identifiquei-me com o Oscar. Uma de suas características é que cresce devagar, mas atinge porte que possibilita confundi-lo com um pequeno tucunaré. Em seu aquário. Imagine...

O problema é que como os Oscar são longevos, costumam passar por vários tratadores. É muito comum que o Oscar tenha ao longo de sua vida uma vida de adaptação, como tudo o que parece perfeito na natureza. Quem não se adapta, perece. Quando passam por muitos tratadores, os Oscar costumam ficar mais arredios e mal humorados com os humanos.

O Oscar em ambiente agressivo torna-se predador. São capazes de enfrentar piranhas individualmente ou em grupo, adaptando-se a oponentes mais ágeis.

Já em ambiente o Oscar pacífico permite eventualmente o contato manual com seu criador. Isso o torna um peixe interativo. Algo como um cão de aquário. Muitas vezes sinto-me tentado a desculpar-me por meu modo polido de descrever os pequenos prazeres eventuais, mas um aquário é um excelente aprendizado. A gente percebe o quanto o ambiente afeta um sistema biológico contínuo. O vigor de um aquário muitas vezes se assemelha às nossas atividades humanas. Qualquer tipo de atividade.

Se você deseja um desempenho de predadores, não pode confiar um aquário a Dojos. São peixes ornamentais, não são capazes de digerir um rato. Essa curiosidade de criança mesmo um adulto tem. Um aquário de piranhas pode ser alimentado com ração ou pequenos camundongos. É um show natural que causa uma ou outra comoção materna, mas a maioria das crianças gosta. E o aprendizado permanece consciente em suas mentes: não confiem em riachos amazônicos. Há piranhas lá. Se tudo o que um adulto precisa para que uma criança cresça sem acidentes desse tipo é sacrificar um rato, o trato é justo.

Em outras culturas, jogaríamos um eunuco no rio. E riríamos às gargalhadas ter negado as genitálias para os peixes. Condeno a atitude pessoalmente? Claro!
Peixes também apreciam nosso “caviar”. Na verdade, comem de tudo. Por isso é importante mostrar às crianças que não devemos jogar coisas contaminantes no aquário. Os peixes morrem, mas antes de morrerem ficam doentes. Um peixe doente não é bom para o consumo humano. Os de aquário ficam mais sadios sob alimentação controlada do ambiente. Excesso de comida não superalimenta o peixe, mas gera amônia.
Esse é o segredo que as pessoas que tiveram aquário e não conseguiram mantê-lo não perceberam: pôr comida demais para os peixes geram amônia na água.

A água passa a exalar um odor forte e ácido. Algo como o aroma de água parada em alguns alagadiços. Esse tipo de ambiente aquático tem pouca oxigenação e formação de amônia. O aumento da “acidez” da água agride as mucosas do peixe e sua alimentação torna-se precária.

O segredo para um bom aquário é o controle biológico. Você precisa de um aquário grande, um filtro biológico (produz bolhas de ar) e um compressor com difusor de bolhas. Assim você consegue oxigenação. Oxigênio é um dos fatores que permitem que os peixes mantenham sua saúde e se reproduzam eventualmente.

Além desses três itens, outros dois: o aquecedor e o filtro fisiológico. O filtro fisiológico é o que “filtra” a água e retém as impurezas. Limpar o filtro com regularidade, alimentar adequadamente os peixes e verificar a acidez. A água pode apresentar deficiências de sais, oposta à acidez. Água alcalina.

Para todo problema do aquário há produtos específicos. Quanto mais gente pratica a cultura de peixes ornamentais, mais lojas e fornecedores, mais criações de espécies que eventualmente se perdem pela ação do homem. É possível que no futuro haja peixes que existam em aquários, e raramente na natureza.

Eu escolhi o Oscar. Zé Pequeno é meu peixe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aqui sua expressão é livre!