quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Hakän Hedberg

Louis Heron escreveu no “The Time” uma série de artigos, em fins de 1968 e princípios de 1969, sobre o segredo em que trabalha o Governo Britânico, independentemente de nele estarem sentados os trabalhistas ou os conservadores: “A escuridão contraria o esforço produtivo, separa o governo do povo e fortalece a perigosa concepção ‘nós e eles’. Desconfio, também, de que o sigilo governamental tanto serve para esconder como é a causa de muitas decisões erradas. O segredo não mantém apenas os repórteres curiosos à distância. Ficam de fora também muitas informações, idéias e experiências. A tomada de decisões tornou-se uma função restrita, dependente – e muito – de informações públicas, de conselhos e pontos e vista públicos.

O sentimento de “nós e eles” existe. Claro, em todos os países, na Inglaterra, na Suécia – e no Japão. A diferença está em que o japonês toma conhecimento, mais depressa e com maiores detalhes, de como “eles” decidem e agem, enquanto os ocidentais têm de ficar à espera que qualquer jornalista mais afortunado se “infiltre” e volte com as revelações.

A POLÍTICA DE DIVULGAÇÃO DO BANCO CENTRAL

Os chefes dos bancos centrais do Ocidente são, por tradição muito reservados. Acham que só devem falar livremente a portas fechadas, com as reservas em ouro no cofre-forte. Ou, talvez com o Ministro da Fazenda e com o conselho de administração do próprio Banco Central. Entrevista coletiva, possivelmente uma vez por ano no momento mais agudo de uma crise. Mas só a idéia o horroriza: uma pequena confusão semântica, um pigarro no momento errado, e lá cai todo o sistema monetário mundial como um castelo de cartas. É por isso que o homem da rua não sabe se FMI é um sistema tático de futebol ou termo técnico de basquete. No Japão, ao contrário, o chefe do Banco Central dá uma entrevista coletiva uma vez por semana, fala abertamente sobre a política de juros no Japão e no mundo, sobre problemas de câmbio e sobre direitos de saque. Quando o chefe do Banco Central se zanga com o Ministro da Fazenda, não discute o problema apenas em particular – convoca os jornalistas e diz de sua justiça. Se a zanga é com os bancos comerciais – como aconteceu, por exemplo, em junho de 1969, quando os bancos elevaram seus empréstimos acima de 60 por cento – todos os esclarecimentos são dados por ele ao público em geral e ao comércio e à indústria em particular, via imprensa. Se regressa de uma reunião crítica realizada na Europa, é recebido no aeroporto por uma legião de várias dezenas de repórteres a quem tenta explicar, tão aberta e pedagogicamente quanto possível, tudo o que aconteceu e o que pode acontecer. É assim que o chefe do Banco Central do Japão tem agido, anos e anos, sem que o sistema monetário mundial se tenha desfeito em pedaços. Conseqüências: o japonês está mais bem informado.

DOS MINISTÉRIOS

Todos os ministérios recebem uma cobertura intensiva, todos os dias, a todas as horas, por parte de no mínimo cinqüenta jornalistas. Quase todos os papéis, incluindo simples anotações ou estimativas preliminares, e quase todas as idéias são consideradas como de interesse público. A tinta mal chega a secar, já o documento ou a anotação passam aos jornalistas. Além disso, todos os anos cada um dos ministérios publica um “livro branco” que chega às mãos dos jornalistas antes dos restantes membros do governo tomarem conhecimento de seu conteúdo. Esses “livros brancos” normalmente são publicados nos jornais da manhã do dia em que o Gabinete se reúne para, oficialmente, aprovar as considerações do ministério em causa. Se qualquer funcionário japonês tentasse copiar a “técnica obscurantista” usada, às vezes, pelos colegas ocidentais – “sob inquérito” ou “debate interno”, “correspondência interna” – talvez não demorasse um minuto e já ele voaria, direto do sétimo andar para a rua. Isto não quer dizer que o jornalista japonês seja especialmente violento na sua maneira de atuar ou menos instruído. Ao contrário, no Japão, 99 por cento dos jornalistas tem curso universitário, em flagrante contraste com o que acontece até nos países de melhor nível educacional no Ocidente. Na realidade, existem mãos fortes no esquema burocrático que dirige o Japão, mas os jornalistas japoneses são ainda mais duros e persistentes na procura das informações: na prática, não há nem uma única gaveta sacrossanta em todos os ministérios em Tóquio.

“Tudo acaba por se saber. Além do mais, os trens correm cheios, com três vezes a capacidade normal, de modo que há ouvidos por toda parte.”, - diz-nos a rir um funcionário do Ministério da Fazenda. Ele gosta do sistema: todas as manhãs, no jornal, pode ler o que aconteceu nos outros ministérios – e no seu próprio ministério! – no dia anterior. É que cada um dos ministérios é uma espécie de formigueiro: só o Ministério da Indústria tem cerca de 15.000 funcionários que se sentam quase uns em cima dos outros.

DAS EMPRESAS

No Ocidente, se uma empresa confessa qual é a sua participação no mercado consumidor, sua atitude repercute como uma bomba.

No Japão, todas as empresas confessam continuamente qual é sua participação no mercado. Em certos casos, como no setor de cosméticos, as estatísticas são suspeitas, mas da única coisa que se pode duvidar é do esquema de amostragem. Porque a boa vontade em dizer qual é, exatamente, a sua participação no mercado, essa, nunca falta. Claro que a distribuição parcelada do mercado e as suas modificações são publicadas na imprensa e assim, levadas ao conhecimento de todo o comércio, da indústria e da comunidade em geral. As informações assim obtidas dão margem para considerações mais justas e decisões mais certas.

No Ocidente muitas vezes acontece o mercado interno pertencer exclusivamente a três empresas. Cada uma das quais sabe exatamente qual é a participação no mercado das outras duas, assim como conhece todas as alterações nessa distribuição. No entanto, se algum jornalista especializado em economia pergunta ao diretor de uma delas qual a parcela que domina, em 100 casos, 99 respostas serão do tipo: “Isso nós não podemos revelar, por causa da concorrência!” Eis um caso típico: - Em princípios de 1969, chegou ao Japão o representante de uma empresa sueca, muito bem sucedida no mercado japonês. Telefonei, pedi uma entrevista. “Venha, por favor, ao meu hotel”, respondeu. Quando o encontrei, compreendi que meu interlocutor estava quarenta anos atrasado em relação ao seu tempo. Não queria contar a quanto montavam as vendas de sua empresa no Japão e quando lhe perguntei qual era a proporção do mercado que a empresa detinha, foi como se tivesse enfiado nele uma faca. Nada poderia dizer antes de consultar o diretor executivo. “Mas nós somos os maiores fornecedores do mercado!” “Isso, em alguns casos, pode significar apenas cinco por cento” – respondi eu – “Qual a percentagem?” não quis responder, porque era apenas diretor de mercado. Essa foi sua justificativa final.

Já passou o tempo, acho, em que os redatores econômicos se contentavam com o fraseado diplomático do tipo “Foi um aumento razoável”. Que a participação da citada empresa no mercado japonês era de 40 por cento eu já sabia há muito tempo, antes de me apresentar para a dita entrevista. E a dos concorrentes, também. Caso interessem, tais informações são fáceis de conseguir em meia hora, no Japão. E claro que os japoneses riem na cara de tais “obscurantistas” reacionários, vindos do Ocidente.

DAS LIGAÇÕES COM EMPRESAS ESTRANGEIRAS

Nada de “obscurantismo”, todos os detalhes em cima da mesa. Eis outro exemplo típico: - quando a empresa sueca AB Mecman entrou no Japão, em novembro de 1968, veio uma notícia muito vaga na imprensa sueca dizendo que, em conjunto com uma firma japonesa, tinha-se criado uma nova “empresa para serviço e colocação no mercado japonês dos produtos Mecman”. O associado japonês deu ao Nikkan Kogyo, jornal da indústria japonesa, uma informação muito mais exata: capital em ações, distribuição das ações uma estimativa para os cinco primeiros anos da empresa, a proporção da Mecman no mercado sueco e, além disso, revelava-se que os japoneses tinham inclusive adquirido o direito de exportar os produtos Mecman fabricados no Japão. Por que é que as classes produtoras do Japão recebem informações mais pormenorizadas do que as da Suécia? Porque é que não foi revelado o direito da nova empresa à exportação? Infelizmente, é esta a regra: por cada negócio nipo-ocidental que se fecha, as classes produtoras no Japão aumentam seus conhecimentos; as do Ocidente permanecem a zero.

Para os redatores econômicos do Ocidente é como se fosse para tirar um dente de cada vez que fazem uma pergunta importante. Para os japoneses, é como se tivessem de desempenhar o papel de parteiras: fazem uma pergunta, esperam gêmeos e vêm quíntuplos. O problema é mais de escapar ao volume de informações do que pressionar para saírem dados.

...

Nenhuma pessoa, nenhuma empresa é uma ilha. E na ilha chamada Japão, diante de milhares de observadores estrangeiros, os homens que construíram o milagre tomaram conscientemente o caminho da informação máxima. Todos ganham, ninguém perde. Numa comunidade rica em informações, as diretrizes são definidas com mais base, com mais bom-senso, do que nas comunidades pobres em informações. Esta é uma política que, até agora, tem dado ótimos resultados e que, a cada ano que passa, oferece dividendos cada vez mais elevados. Entrementes, no Ocidente, tanto os diretores como os funcionários, cada vez mais distantes uns dos outros e do público, continuam tateando na obscuridade.

A obtenção de informações e sua análise está facilitada, mais ainda, pela existência de uma série de meios de comunicação, e em especial os jornais, com melhores condições de transmitir esses dados que seus colegas em qualquer outro país.

A COMUNIDADE CAOLHA

Ao mesmo tempo que se tornava campeã mundial em aumentode exportações, o Japão transformou-se também – com o maior desplante – em campeão mundial do protecionismo.

Desde a conferência da GATT, em Tóquio de 1959, que os governos ocidentais, incluindo os dos países em desenvolvimento, têm escutado promessas japonesas, umas a seguir das outras. Todos esses compromissos foram esquecidos, ao mesmo tempo em que o Japão avançava na lista das principais nações exportadoras do mundo, passando do nono lugar em 1959 para quinto, em 1968.

O ritmo de aumento das exportações japonesas acelerou-se, a uma média anual de 14 por cento entre 1958 e 1963 e de 20 por cento entre 1963 e 1968. O ritmo de aumento das importações, porém, foi refreado de 19 para 13 por cento.

O ritmo de promessas japonesas também se acelerou, mas são compromissos a que falta cobertura. Em princípios de 1964, o Japão filiou-se tanto ao FMI como à OCDE, comprometendo-se daí a não usar mais a balança de pagamentos como motivo para impor restrições à importação e a dar aos outros membros da OCDE o direito de se estabelecerem no Japão, em regime de reciprocidade. Em 1964, o Japão tinha um saldo positivo na sua balança de comércio equivalente a meio bilhão de dólares. Em 1968, o saldo era cinco vezes maior, mas a “cortina de ferro” que o Japão opôs à concorrência estrangeira, no mercado interno, continuava tão impenetrável em fins de 1969 como em 1964, altura em que, perante os dois mil delegados à reunião do FMI, os japoneses prometeram uma “nova era”.

Enquanto o milagre alemão – e o saldo exportador da Alemanha Ocidental – se desenvolveram à medida que aos países importadores se dava uma oportunidade de concorrer no mercado alemão, o milagre japonês teve o privilégio de crescer dentro de uma estufa protecionista. Em todos os setores industriais, começou-se por estabelecer uma quota de importação reduzidíssima de tal modo que a concorrência estrangeira só podia ser mínima. Depois, formalmente “liberalizou-se” a importação, mas os direitos alfandegários eram tão elevados que a presença estrangeira continuou sendo mínima.


Onde estava o Brasil durante esse processo fenomenal de crescimento?


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