sábado, 28 de novembro de 2009

“Undolasijá”

Era uma expressão curiosa. Admito que minha infância foi um pouco diferente da dos demais coleguinhas. Até os doze anos de idade, tinha poucos mas sólidos amigos. A maior parte era de meninos que, da mesma forma que eu, era “antenado”. Gente com grau de curiosidade maior que o de desejo de conforto. Sempre gostei de ler, muito embora meu dia não o permitisse. Desde criança.

E quando eu era criança, me espantei com uma expressão da qual ainda não tinha ouvido. Na decisão de iniciar uma corrida, alguém berrou no meio da brincadeira:

“Undolasijá!”

Todos correram, menos eu.

Não sabia que era o grito de “vai!” dos colegas. Não havia lido em lugar algum, não tomei conhecimento. Mas após algumas gozações, passei a iniciar uma corrida louca toda vez que alguém dizia “undo...” e me concentrava em correr.

Levei anos para tentar compreender a “onomatopéia” que gerou essa palavra. Sendo franco, ainda não estou bem seguro de seu significado. Mas se tomarmos por exemplo a velha palavra forró, e admitirmos que há lógica em dá-la por originada em “for all”, pode-se imaginar que “undolasijá” talvez tenha surgido no nordeste. Não é difícil imaginar a figura de uma Tieta-do-Agreste, que após voltar da capital, carrega consigo os dólares dos turistas e marinheiros a quem prestou assistência física. Não deu para trocar o dinheiro na casa de câmbio. Dar, deu. Mas não conseguiu.

Chega cheio de malas. Os meninos, vacilantes, não sabem se a ajudam ou não. Para facilitar a iniciativa, exclama a mulher:

- Preciso de uma ajudinha para carregar as malas... um dólar, se já!

Ouvindo a palavra dólar, o subconsciente imediatamente se manifesta e o corpo passa a agir. Deste modo, tudo o mais era questão de um dólar. Se já.

E é estranho imaginar que, sendo esta uma das possíveis origens da palavra, crianças façam mais uso que adultos. Em brincadeiras, repetem sem compreensão de seu possível significado original, e desatam a correr baratinados, como movido por um dólar invisível e desconhecido. Mas as brincadeiras poderiam ser interessantes. Imagine um adolescente, falando para a conhecida:

- E aí...? Vamos ver quem chega primeiro no quartinho escuro?

-Ah... num sei...

- Um dólar se...

- Oba!!!

Mas entre meninos, combinando brincar de “pique esconde”, não havia a menor motivação. Os outros corriam como hienas de havaianas, pulando carniça.

Eu não. Quando todos desataram a correr, a primeira coisa que perguntei a mim mesmo foi se alguém dos que corriam trazia consigo um dólar.

Creio que não.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Lin Yutang

"Não há no mundo livros que se devam ler, mas somente livros que uma pessoa deve ler em certo momento, em certo lugar, dentro de certas circunstâncias e num certo período da sua vida"

Lin Yutang, pensador chinês, filho de uma chinesa e de um pastor protestante, consegue, com toda sutileza chinesa, nos levar a uma reflexão bem-humorada da vida em seu livro A Importância de Viver, de 1937.
No livro, que mais mostra a vida sob a ótica chinesa, chama a atenção a teoria da necessidade de sermos vagabundos, pois segundo Lin, o vagabundo era uma figura vista com admiração por seu povo, na antiga China. O cuidado que se deve ter, é de que o vagabundo chinês é o homem que vive e goza uma plena liberdade espiritual e social, e não um parasita, como é o vagabundo que conhecemos. Por isso a figura do vagabundo dentro da cultura chinesa é bela, enquanto o vagabundo, dentro da cultura ocidental, é tão somente alguém desprezível. Porém, mesmo assim, é bom lembrar que Charles Chaplin, mesmo sendo inglês, conseguiu com a magia da sua inimitável arte, criar o vagabundo Carlitos, lindo e amado, justamente por se aproximar ? e muito, da figura do vagabundo chinês.
Outro ponto que Lin Yutang trata com maestria, é a do bêbado poeta. Para ele, quanto mais a alma de um homem está triste, buscando na bebida algo que nem mesmo ele sabe, maior será sua chance de criar grandes poemas. E Lin cita então alguns poetas chineses da antiguidade que criaram os mais belos poemas, bêbados ou saindo de um porre.
E Lin Yutang faz um passeio em quase 400 páginas monologando com o leitor e levando-o do mundo interessante de um simples condutor de bonde até o proeminente político, que, é claro, é abominado pelo pensador, assim como o foi por Tucker, que detestava políticos e advogados, pois quando ele tentava iniciar sua pequena, porém promissora fábrica de automóveis, eles se posicionaram ao lado da gigantesca Ford. Por isso Tucker os detestava e Lin diz em seu livro que o meio político é tão sórdido, que dificilmente atrairá para si homens de caráter...
Para concluir, leia alguns pensamentos de Lin Yutang: A vida social só pode existir na base de uma certa dose de mentiras refinadas e de que ninguém diga exatamente o que pensa. Além da nobre arte de conseguir fazer as coisas , existe a nobre arte de deixar as coisas por fazer. A sabedoria da vida consiste na eliminação do que não é essencial. É certo que os fumantes causam alguns incômodos aos não-fumantes, mas tal incômodo é físico, ao passo que o incômodo que os não-fumantes causam aos fumadores é espiritual. Entre todos os direitos da mulher, nenhum é maior que o de ser mãe. Nada neste mundo se equipara em beleza a um homem idoso pleno de vitalidade e sabedoria. No Ocidente, pensa-se muito em sexo e pouco nas mulheres. O sábio lê livros, mas lê também a vida. O universo é um grande livro e a vida é uma grande escola. Se consegues viver uma tarde absolutamente inútil, de maneira absolutamente inútil, então sabes viver.

domingo, 1 de novembro de 2009

Quer saber, apure.

Uma quase-loira está me empertigando a cabeça. Não atendeu o cel, nem ligou de volta. Há algo errado.

Há algum tempo, a gente tinha um “acordo pessoal”. Se ela ligasse, eu atendia de imediato se estivesse próximo ao telefone e vice-versa. Era gostoso quando vinha à mente aquele sorriso aberto que ela tem mania de soltar quando me via. Não tem acontecido isso, recentemente. Logo, bom apurar antenas...

Não é incomum que eu decida fazer algo e faça outra coisa completamente diferente. Muitas vezes é mais interessante fazer o que deve do que o que quer fazer.

Em vários campos. Do profissional, o afetivo, muitas de nossas decisões são tomadas em maior consideração de seus efeitos do que nossas vontades pessoais. Noutras, o inverso.

Minha confiança nas pessoas é um banco onde costumo sempre depositar. Se a confiança creditada não render, saco tudo e encerro a conta. Isso pode parecer radical ou exagerado. Mas a experiência pessoal fez-me assim. Tive excelentes situações de aprendizado.

Fui casado durante treze anos, e a maior parte das pessoas não faz idéia do que seja contornar situações indesejáveis por mais de uma década. Principalmente fazendo-o com alguém que gostava de decidir diametralmente às avessas de suas decisões. Acostumar-se à presença de um ou outro remador que reme ao contrário desenvolve “musculatura” para o restante da tripulação. Se não virar o barco antes.

A vida pessoal de cada um merece a liberdade de não ser criticada. Cada pessoa com quem se conversa tem direto a ser objetivo em suas vidas, ou não. Fórum íntimo, ou seja: aquilo que se decide ou julga conforme seu próprio entendimento. O que cada pessoa leva em consideração durante conversas ou discussões depende de sua percepção da situação. Por isso decidir pelo coletivo é tão difícil. Para um ponto de vista convergente ou divergente, há sempre uma percepção diferente de pessoa para pessoa. O que cada um percebe, é “arte” de cada mente – brilhante ou não.

Percebo que muitas vezes é improdutivo dar atenção a alguns detalhes da vida. Noutras, o “detalhe” muitas vezes economiza-lhe tempo. O tempo desperdiçado em algo que não dava mostras de solução.

É possível que o leitor já tenha passado por situações de decisão extrema. Na vida de um soldado, isso é uma constante. A gente se acostuma a estar sempre faltando algo à decisão. Quando há a faca e o queijo na situação, as mãos estão amarradas. Vida de soldado nunca é simples.

As pessoas ficam impressionadas com a capacidade destrutiva de um soldado bem treinado. E pra ser bastante sincero, meu santo está cansando. De saco cheio de ser enrolado a cada dia pelo governo, pela TV, vizinhos, conhecidos, parentes... todo mundo tem algum tipo de desagrado de tempos em tempos. Costumo explodir na freqüência de vulcões. Uma na vida, outra na morte alheia. De fato, vulcões só se demonstram vivos quando entram em atividade, e são tidos como inevitáveis.

Típico do milico. Com esse indivíduo, o treinamento em paciência é todo dia. Finge-se de morto para comer o cu do coveiro. O treinamento é diário e silencioso. Pode acontecer na fila de abastecimento, quando algum engraçadinho tenta adiantar-se para tomar sua vaga no estacionamento, ou mesmo quando percebe que há informações desencontradas.

Não creio ter dito, mas não sou afeto a escrever sobre minhas próprias experiências. Mas na maior parte das vezes nas quais tenho tempo de revisar atitudes, percebo que mais acerto do que erro. E isso é resultado de um treinamento. Não é bom que se externe o modus operandi que lhe dá uma cartada a mais no jogo da vida.

Na paciência de acompanhar o desenrolar de situações, o “radar” ao qual chamamos percepção normalmente se desenrola muito além das intenções do observador. Aprender é observar com atenção – e compreender.

Exemplo claro foi o seguinte acontecimento > conheci uma gata há algum tempo, e aproveitei a primeira briga para observar melhor à distância. Depois de algum tempo, houve rumores de que ela havia saído também com outro camarada. Disseram que ela “gostava de homem fardado”. Maldade, né?

Não sei. Na dúvida, perguntei se tinha rolado alguma coisa.

“- Não, nada a ver...”

“- Ok.”

Em outro momento, perguntei ainda à queima-roupa:

“- Tá com namorado, delícia?”

“- Não.”

Ou seja: um grupo de informações desencontradas. Para um milico, a vida é treinamento – e já tive problemas de mulher pulando cerca antes. Meu ponto de vista vai além da ofensa pessoal. É caso de vida ou morte. Se a mulher contrair doenças mortais e passar para o marido, ai dos filhos. Para não ter acesso a esse tipo de quadro, é bom observar bem o procedimento da gata que você está para “escalar” como sua. Digo escalar com a autoridade de quem pode escolher mulher. A estatística afirma: somos um homem para cerca de 7 mulheres. É muita mulher precisando de um “algo mais” na vida. Trepar, como ferramenta mecânica da arte de amar, não deixa de ser algo a mais. Só que é um algo a mais que deve ser abordado com certo cuidado. Ninguém gosta de ser componente de uma lista de prováveis pais. E nesse escopo, sou muito rigoroso.

Por isso sou “chato” em sacar a garota com quem deixo de usar camisinha. Observo seu comportamento sexual para obter melhor segurança de vida. E tem um detalhe: aprendi a ler em duas ou três transas, o “mapa mental” de desejos dessas criaturas esfomeadas.

Ela teve sorte esse final de semana. Fiquei de almoçar na cantina que ela toca no sábado, mas tive problemas diversos. Deixei para ligar mais tarde 18:09 da tarde. Normalmente, nos ligamos e atendemos de imediato. Até hoje faço assim com ela.

Só que o telefone tocou duas vezes e entrou a caixa de mensagens.

Esperei quase um minuto e liguei de novo. Tocou três vezes e entrou a caixa de mensagens.

O que isso significa?

Para um bom conhecedor de telecomunicações, quando se liga de celular para celular, o primeiro celular a receber o toque de campainha é o que recebe a ligação. Logo depois, o que fez a ligação. Para cada toque do outro lado, há um toque do lado de cá, e a comunicação só é desviada para a caixa de mensagens após tocar cerca de cinco vezes.

O celular tocou duas vezes, e certamente foi apertado o botão de ignorar. O serviço foi desviado para a caixa de mensagens.

Aguardei alguns segundos, na intenção de parecer desistir de ligar. Liguei logo após e contei de novo. O celular, que já havia sido devolvido à enorme bolsa – ou ao diminuto bolso – levou o tempo necessário para tocar três vezes e ser desligado. Comportamento comum quando se está consertando um carro, fazendo comida, transando ou prestes a transar.

Caso contrário, não vejo motivos para não atender um celular.

A curiosidade consome qualquer ser humano de senso lógico. A sorte da “galega” esse final de semana é que estou sem a motocicleta. Para um soldado treinado, patrulha é rotina. Uma camiseta diferente, um boné emprestado e alguns minutos no barzinho próximo e tudo se esclareceria.

Só que, como já foi dito, a vida de soldado nunca é simples. A moto, cheia de multas, está sem placa. Foi perdida há algum tempo, e para reemplacar é necessário pagar mais de mil e quinhentos reais em multa. Os outros dois carros: uma Quantum ou uma Saveiro, dependem do segundo dia útil para voltar a circular com segurança – e combustível adicional.

Logo, essa curiosidade ainda vai durar duas semanas. Informações de rotina sugerem que o alvo tem cumprido alternadamente a guarda da criança. Há de se considerar ainda a possibilidade de proximidade maior com o pai da criança – um desejo incontido de algumas mulheres malsucedidas no casamento.

Logo, a estratégia imediata é observar e esperar.

A vida de sempre de qualquer soldado.