“Undolasijá”
Era uma expressão curiosa. Admito que minha infância foi um pouco diferente da dos demais coleguinhas. Até os doze anos de idade, tinha poucos mas sólidos amigos. A maior parte era de meninos que, da mesma forma que eu, era “antenado”. Gente com grau de curiosidade maior que o de desejo de conforto. Sempre gostei de ler, muito embora meu dia não o permitisse. Desde criança.
E quando eu era criança, me espantei com uma expressão da qual ainda não tinha ouvido. Na decisão de iniciar uma corrida, alguém berrou no meio da brincadeira:
“Undolasijá!”
Todos correram, menos eu.
Não sabia que era o grito de “vai!” dos colegas. Não havia lido em lugar algum, não tomei conhecimento. Mas após algumas gozações, passei a iniciar uma corrida louca toda vez que alguém dizia “undo...” e me concentrava em correr.
Levei anos para tentar compreender a “onomatopéia” que gerou essa palavra. Sendo franco, ainda não estou bem seguro de seu significado. Mas se tomarmos por exemplo a velha palavra forró, e admitirmos que há lógica em dá-la por originada em “for all”, pode-se imaginar que “undolasijá” talvez tenha surgido no nordeste. Não é difícil imaginar a figura de uma Tieta-do-Agreste, que após voltar da capital, carrega consigo os dólares dos turistas e marinheiros a quem prestou assistência física. Não deu para trocar o dinheiro na casa de câmbio. Dar, deu. Mas não conseguiu.
Chega cheio de malas. Os meninos, vacilantes, não sabem se a ajudam ou não. Para facilitar a iniciativa, exclama a mulher:
- Preciso de uma ajudinha para carregar as malas... um dólar, se já!
Ouvindo a palavra dólar, o subconsciente imediatamente se manifesta e o corpo passa a agir. Deste modo, tudo o mais era questão de um dólar. Se já.
E é estranho imaginar que, sendo esta uma das possíveis origens da palavra, crianças façam mais uso que adultos. Em brincadeiras, repetem sem compreensão de seu possível significado original, e desatam a correr baratinados, como movido por um dólar invisível e desconhecido. Mas as brincadeiras poderiam ser interessantes. Imagine um adolescente, falando para a conhecida:
- E aí...? Vamos ver quem chega primeiro no quartinho escuro?
-Ah... num sei...
- Um dólar se...
- Oba!!!
Mas entre meninos, combinando brincar de “pique esconde”, não havia a menor motivação. Os outros corriam como hienas de havaianas, pulando carniça.
Eu não. Quando todos desataram a correr, a primeira coisa que perguntei a mim mesmo foi se alguém dos que corriam trazia consigo um dólar.
Creio que não.
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