sábado, 10 de outubro de 2009

Criptocronia

Imagine se Marcelo D2 tivesse sido obrigado a servir na Base Aérea de Afonsos. As músicas teriam saído diferente...


Qual é? – Marcelo S2

Eu tenho algo a dizer,

Explicar pra você

Mas não garanto, porém

Que engraçado eu serei dessa vez

Para os novinhos daqui,

Para os antigos de lá

Se você se porta como um homem, um homem será

...Que você mantém a conduta? Será

...que segue firme e forte na luta

A outros caminhos a Força vai te levar

Se você agüenta ou não, o que será, será.

Mas sem esse caô de que está ruim, não tá

“esse” eu já vi, vim e venci – deixa pra lá

Tá ruim pra você, também ta ruim pra mim

Tá ruim pra todo mundo, o Brasil é assim

Sem sorte no banco, feliz no amor

Quem nasceu pra ser sargento não quer ser aviador

Há cinqüenta anos a força aérea manda a vera:

“Abaixou a cabeça, já era.” – então diz:

Essa onda que tu tira, qual é?

Essa marra que tu tem, qual é?

Tirar onda com ninguém, qual é?

Qual é, novinho, qual é?

Então vem: devagar no miudinho

Então vem: chega devagar, no sapatinho.

Antigo que sou eu não vou vacilar

Eu sou o que sou e ninguém vai me mudar

Porque eu tenho o escudo contra vacilão:

Papel e caneta e identidade na minha mão.

E é isso o que é preciso: coragem e humildade

A atitude certa na hora da verdade.

O que você precisa para evoluir?

Me diz o que você precisa pra sair daí?

Corneta é o som, a Força é o lugar...

Incomodados que se mudem, eu estou aqui pra incomodar

De que lado você trampa? Você trampa de que lado?

Na hora que o bicho pega é melhor estar preparado

E lembrando de Chico comecei a pensar

“Que eu me organizando posso desorganizar”

Então diz:

Essa onda que tu tira, qual é?

Essa marra que tu tem, qual é?

Tirar onda com ninguém, qual é?

Qual é, novinho, qual é?

Saca aí:

Andar como anda um reco, brother

Falar como fala um reco, brother

Escamar como escama um reco, brother

...usar sempre o cumprimento reco[A1] , brother

Quantas vezes já cheguei no fim da festa?

Quantas vezes o bagaço do quartel é o que resta

Não me dou por vencido, vejo a luz no fim do túnel

A corrente está serrada,

Não os meus punhos

Vai dizer que você é um perdedor,

Daqueles que quando sua Unidade precisa ‘cê dá no pé?

Vai dizer que você prefere o ódio ao amor?

Então me diz, novinho, qual é?


[A1]Recruta é o elemento que mais faz uso da continência.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

SRE

Eu detestava a idéia de receber, dentre as notas vermelhas, o temido SRE. Sem Rendimento Evidenciado significaria, com todas minhas presenças, nada haver aprendido.

As matérias eram diversificadas. Dentre elas, havia Práticas Integradas do Lar. Pode conferir: está em algum de meus insolentes boletins, que eram apresentados insistentemente ao final de ano aos únicos seres humanos aos quais devia total obediência: meus pais.

Havia também outras duas matérias de ensino obrigatório: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Na época, dava pouca atenção a essas matérias para beneficiar duas potenciais deficiências futuras: matemática e português. Aliás, Comunicação e Expressão.

Apresentar-se sem rendimento evidenciado constituía fato inaceitável. Na condição de militar, meu genitor dificilmente poderia alocar-me às escolas particulares. Em conseqüência, mais de 70 por cento de meu conhecimento advinha de programas do governo. O restante era complementado pelos inúmeros livros e revistas que nos fosse possível comprar. Essa foi a sorte de nossa família, durante a década de 80 e 90.

O tempo não espera por ninguém. Dizem ainda que somos exatamente o que decidimos ser. Observava com curiosidade a aviação e, em dado momento, corroborei com as possibilidades de continuar a contribuição de meu genitor. Tornei-me Especialista em Comunicações. As características de trabalho foram aperfeiçoadas ao longo do tempo, e mesmo não desejando discorrer no assunto, sinto-me compelido a afirmar: da substituição de posições operacionais de telegrafia aos novos sistemas digitais de transmissão de informação, a inteligibilidade humana ainda é insuperável. Acreditando que os setores administrativos e técnicos estatais estivessem sob controle, voluntariei-me a participar de um setor operacional isolado.

Vários anos depois, um acidente. As rotinas de meus companheiros de trabalho modificaram-se acentuadamente, assim como suas situações financeiras e familiares. Identifiquei aumento considerável nos casos de separação conjugal, endividamentos sem soluções, dentre séries de idiossincrasias que tornavam de tal modo complexo o desempenho de nossas funções, que fizeram tímidos os esforços de recuperação da qualidade de vida. Cada indivíduo que hoje participa de atividades associadas à defesa do Estado aguarda soluções de profissionais.

Isso já foi comentado até mesmo em nossas cerimônias de início de expediente. Lembro-me bem da frase, nos seguintes termos:

“-Ok, pessoal, agora estamos procurando os profissionais!”

- Nós também... – lembro-me ter pensado no momento. A idéia de “profissionais” é muito vaga no imaginário de quem não os conhece. Profissional costuma ser alguém que professa sua . Mesmo que no trabalho. Profissional também costuma ser associado à idéia de alguém que realiza sua função com correição e precisão. Além de atender incontinenti determinações de seus chefes.

Também continuo procurando-os. Por enquanto pode-se contar com gente que além de realizar o trabalho profissional – desgastante sacerdócio – ainda acresce sua experiência profissional em diversos setores. Profissionais que além de suas atribuições empregam também conhecimentos das áreas de economia, mecânica, eletrônica, gerenciamento de recursos humanos...

Ou seja: por enquanto, só pode-se contar com o que já possuímos de melhor dentre os profissionais. Só podemos contar com Especialistas.

Um dia, vi-me cercado de pessoas pesquisando melhoria na condição financeira de sua família. Gente de sorte: ainda não haviam perdido as suas. Mas estavam Sem Rendimento Evidenciado em suas finanças. Preocupavam-se. Queriam soluções que permitissem continuar realizando suas tarefas de uma fé que anda em paralelo com sua religião. Fé na missão elevada das Forças Armadas. Não poderia jamais permitir-me, enquanto especialista em comunicações, deixar de ajudar no que fosse necessário a essas e outras incontáveis pessoas.

Tudo o que dispomos é de especialistas, até onde se sabe.

E somos mais do que suficientes.

Rascunho

Os Alterados

Parte I – Anos de Empenho

Era um período de crise. Aquele tipo de crise em que poucos se comunicam com clareza de objetivos. Daí a falta de entendimento...

Os motivos que levam cada um a compor seu papel na vida coletiva contêm muito de nossas idiossincrasias. O da maior parte dos integrantes das escalas diuturnas era claro: dar andamento às suas atribuições, suas atividades rotineiras. A idéia que movia o senso comum era ater-se às atividades. Não era questionado se quaisquer outros setores apresentavam carências ou se atolavam nos processos burocráticos típicos do Estado. Realizavam sua parcela de colaboração – a condução segura de vidas humanas. Quer no serviço de guarda ou nas noites insones de cada pernoite, observava-se com perplexidade a ineficiência do restante do paí[A1] s. Onde passo a incluir-me, cumpríamos nossa parte.

Mas no outro lado do sistema – que correspondia aos setores financeiros, políticos e sociais – as coisas mudavam com grande velocidade. Era fortemente perceptível a diferença entre as gerações da segunda metade do século 20 e a primeira metade do século 21. O brasileiro de antes era muito mais voltado ao coletivo, ao próximo. Num estoicismo digno de paróquias, não há exagero na afirmação de que abdicavam de suas próprias vidas para o bem estar dos outros – não influenciava negativamente na qualidade de vida pessoal. No capitalismo, socialismo, ou qualquer outro sistema de organização político-social ou financeiro que se crie, sempre haverá diferenças de pontos de vista. Contanto, claro, que haja pontos de vista. O do leitor certamente é influenciado por sua condição pessoal, seu papel social. Hoje, quando a visão de mundo é formada pela informação nem sempre completa oferecida por TV, internet e jornais, permanece – e até se acentua – uma imensa massa ignorante. Não é culpa de cada um conforme se apregoa por aí, considerando a difícil tarefa de selecionar tanta informação, de processar a complexa compreensão de como vários setores em nossas vidas particulares se interligam. Difícil convergir interesses de todos. Disse difícil, espera-se que não seja impossível.

O interesse do brasileiro médio é ganhar tempo. Perder o mínimo desse precioso crédito diário para que se usufrua o máximo rendimento possível em suas atividades diárias. Quer para fechar negócios, quer para viajar com seus familiares, não se deseja perder tempo. Mas não se crê que para tal seja interessante ignorar a segurança. Por isso, quando algo tão comum quanto embarcar em qualquer meio de transporte o leve a presenciar cenas de horror – ou perecer nelas – existe a avaliação íntima de risco, custo e benefício.

Vários motivos mantêm pessoas em suas atividades. Alguns trabalham pelo retorno financeiro, outros por reconhecer que há nobreza em sua atividade – esses são mais raros a cada dia. Para esses últimos, ocupar cargo ou função de Estado normalmente traduz o desejo de poder decisório. De tomar para si a responsabilidade de decidir pelo mais lógico ou eficiente desenvolvimento de sua atividade. Principalmente durante e pouco após o período da ditadura militar. Era um período onde ostentar um uniforme proporcionava satisfações variadas. Bons tempos.

Findo o período da ditadura – o que certamente causou desgaste crônico na imagem militar - as seqüelas de ações que em curto prazo pareciam lógicas são sentidas até hoje. Muitos dos que antes eram perseguidos por opinião voltaram pouco a pouco ao cenário político. E cobraram seu preço. Hoje é fácil encontrá-los, integram o próprio governo, federal ou estadual. Gente que antes cogitou a revolução armada aprendeu rápido a galgar urnas e atingir objetivos via voto. Mesmo visando fins essencialmente pessoais. Eleição é um concurso de popularidade.

Mas após 88, passado o bastão político de volta para os civis, as coisas foram mudando gradualmente. Qualquer um que demonstrasse real preocupação com nossas fragilidades na área de segurança causava torcer de nariz generalizado. O senso social era crer que as forças armadas constituíssem um peso financeiro ao Estado. Os cortes financeiros começaram. Agravaram-se durante a era Collor e estenderam aos dias em que dei andamento à necessidade de não deixar de registrar o que pudesse no tocante ao resultado dessas decisões.

E é difícil escrever. O maior dos entraves para tal empreitada é a própria lei. Tanto para militares quanto para civis, há leis que proíbem que se externem assuntos afetos ao trabalho. Entretanto, há de se extrair aprendizado dos fatos. Esse é o foco mais importante, a lição mais valiosa, herança para nossas novas gerações.

Um dos grandes aprendizados é que nas relações de trabalho, principalmente no que tange ao desempenhado por militares, deve haver um intenso comprometimento. Não somente por parte dos trabalhadores de ponta, cuja prova de sua capacidade foi o funcionamento regular durante anos de controle de tráfego, muitas vezes à guisa de investimento apropriado. Ao contrário do propalado pela mídia e autoridades, havia de se manter constante planejamento e empenho em dinamizar e otimizar recursos, em especial recursos humanos. Triste constatar que o interesse de muitos estivesse voltado ao benefício pessoal, relegando inclusive a profissionais terceirizados soluções complexas. O empenho de cada profissional de tráfego aéreo em transpor barreiras administrativas e técnico-operacionais na proteção de nosso objetivo – a segurança de vidas humanas – caracterizava o valor da dedicação pessoal desses homens e mulheres. Em seus variados graus de comprometimento é inegável que o produto de suas próprias vidas, privadas de noites de sono e tempo qualitativo para suas famílias tenha sido uma grande contribuição para a sociedade num todo. Tive a grata satisfação de conhecer grande variedade desses heróis. Verdadeiras autoridades na guerra diária contra a degradação da pequena parcela do Estado que foi depositada em suas mãos. Agentes administrativos militares de grande potencial.

Agentes que decidiam quando era seguro ou não progredir o transporte de pessoas.

Autoridades que decidiam sobre o bem mais precioso em suas telas. A vida de seus semelhantes.


[A1]Redunda à frente