quarta-feira, 30 de junho de 2010

Isto e Aquilo II

Dois dados interessantes de notícias da internet:

Item 1:

A iminência de um acidente envolvendo um Airbus da TAM que fazia a rota Brasília-São Paulo e um Bandeirante de propriedade privada na última quinta-feira, dia 24, não foi o primeiro incidente de quase colisão de aeronaves registrado em 2010.

Conforme os dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), apenas até maio, foram registradas 77 ocorrências de quase colisão no Brasil. Em 2009, durante todo o ano, foram 173 relatórios informando esse tipo de incidente.

Segundo contou uma fonte do governo, o alto número de ocorrências de quase colisão é acompanhado de perto pelo comando da Força Aérea Brasileira (FAB), que já enxerga um aumento desses casos em 2010.

As ocorrências registradas nos primeiros cinco meses do ano já correspondem a 44,5% de todos os registros de 2009. Casos como o de uma ave na turbina, ou uma aeronave que teve de arremeter por conta de outra que estava taxiando na pista também são considerados quase colisão.



Item 2:

http://www2.uol.com.br/vyaestelar/depressao_no_trabalho.htm

Uma profissional anônima dirigiu uma pergunta com a qual identificava-me parcialmente. Uma pergunta importante, que faz alusão a diversas pessoas, em diversas atividades.

A mulher perguntou o seguinte:

"A empresa em que trabalho me traz vários benefícios, mas sofro de depressão crônica por trabalhar lá. O que faço?

Tenho 27 anos, trabalho há 12 numa empresa na linha de montagem. Entrei lá e nem sabia o que ia fazer, mas meu pai que trabalhou lá a vida toda me incentivou. Afinal, é uma multinacional e tem muitos benefícios. Enfim, fiz engenharia ambiental, me arrependi, tenho diversos cursos, mas não consigo me imaginar trabalhando com esses assuntos, talvez por não ter sido uma funcionária "desejável" - durante um árduo tempo de depressão, fiquei rotulada como "má funcionária". Já ouvi do meu chefe que não me queria no seu setor, que nenhum grupo de trabalho me queria.

Isto só aumentou minha insatisfação. Às vezes penso que deveria ter aceitado o pedido de afastamento do meu psquiatra e não ter atrapalhado ninguém, mas sentia medo de me queimar. Afinal, depressão é frescura pra muita gente, ouvi muito isso: "bonita, ganha bem... com depressão?"

Enfim, a infelicidade profissional invadiu minha vida em todos setores, me sinto inutil, burra e acho perda de tempo estudar novamente porque sou incompetente, estes pensamentos acontecem 24 horas. Não consigo acordar pra trabalhar, às vezes tento me imaginar com 15 anos e me perguntar se entraria lá novamente e se o melhor não seria começar de novo. Mas agora tem as contas para pagar...

Minha vida perdeu o sentido. Vivo desmotivada e sem entusiasmo até pra sair pra uma balada, me acho feia (apesar de ouvir todo dia que sou uma gata), desmerecedora, fracassada. Mas o pior de tudo isso é que não sei no que sou boa, a minha vocação, se soubesse, tenho certeza que correria atrás e teria coragem de pedir demissão, mas não consigo descobrir, pesquiso muito o mercado, as profissões... Às vezes penso em me afastar por um tempo e tentar recuperar a vontade de viver, mas tenho muito medo do que vão falar. Eu sei que você não vai resolver meu problema, mas gostaria de ouvir um conselho seu, pois gosto de buscar ajuda de bons profissionais."


Uma das respostas foi bastante lógica:


"Dói saber de histórias como a sua e dói mais saber que ainda são tão comuns em tempos de listas e mais listas de "melhores empresas para se trabalhar", incluindo a sua função.

Sua depressão pode ser causa e consequência dos problemas que você relata e ao invés de ser "queimada", você deveria ser indenizada e readaptada para ter uma vida produtiva e fonte de realização pelo trabalho, como deveria ser para todos. Dito isso, queria compartilhar algumas ideias para sua reflexão.

Primeiro, a vida é muito mais do que o trabalho, e mais ainda, o trabalho em uma empresa como essa em que você trabalha -- recuperar a vontade de viver é premissa para qualquer outra ação que se pretenda adotar pela frente. Depressão não é frescura, é uma doença que geralmente tem cura e você deve se tratar. Então faça o que precisar, sem se preocupar por uma vez em sua vida com "o que os outros vão pensar", pois esses não parecem se preocupar com o que você vai pensar e sentir, quando tratam-na como o fazem, não é mesmo?

Segundo, considere que mudar uma reputação ou um rótulo que lhe atribuíram -- justa ou injustamente -- ao longo de 12 anos, não será fácil. Então, considere dar a si mesma a chance de um novo começo, livre de sombras do passado, muitas das quais você não consegue mais controlar. No tempo que você der um tempo a você, procure um serviço de psicologia em uma universidade e se inscreva para fazer um estudo vocacional para encontrar sua vocação e focar toda sua energia para sua nova carreira, qualquer que seja ela.

Em sua idade, você tem muitas opções de carreiras, você tem tempo para escolher, errar e escolher novamente, pois o que virá pela frente, não podemos saber. Porém, o passo mais importante é reconhecer que repetir seu passado e presente, por mais 12 anos nesta empresa de "muitos benefícios", não trará mudanças que espera para sua vida. É hora de recomeço e de construir um futuro diferente. Boa sorte!"


Minha resposta é que não vejo problema algum. O fato de ser profissional há 12 anos em uma atividade e, mesmo com as eventuais rusgas, continuar em função denota uma capacidade específica. Claro que a paciência de qualquer pessoa se esvai e há seus momentos de "solidão" profissional. Isso é característica de muitos líderes. As pessoas prestam atenção em você. Você pode assumir uma posição vantajosa defendendo o interesse do investimento já realizado sobre sua pessoa, como profissional da empresa à qual, acredite ou não, você compõe uma espécie de "capital social" da empresa. A mensuração desse capital social corresponde à sua capacidade prática de interligar conhecimento próprio em favor do crescimento da empresa. Isso constitui um "ativo" da empresa. E somente você poderá negociá-lo, ninguém mais. É a relação de poder mais específica que pode existir entre o particular e a sociedade: você somente poderá produzir de modo pleno ocupando a posição que favoreça à empresa o melhor aproveitamento de seu recurso humano, inserindo-o nos setores de planejamento, assessoramento ou atividades voltados à dinâmica necessária pra prover o melhor de seu esforço vital em benefício de cada investimento "agregado" ao seu CPF.

Entretanto, é importante considerar que enquanto você "agrega" o poder que advém de seu conhecimento, pessoas manifestar-se-ão contra sua personalidade por consequência. Trata-se de uma espécie de "mensuração", onde aventureiros buscam notoriedade afetando de algum modo sua credibilidade. Descreva com sobriedade os "atos solertes" como fundamentos para defernder-se e defenda-se! O corriqueiro nas empresas é que o setor de RH acredite que possa fazer o que entenda, assegurando-se do pantanoso terreno da discricionariedade. O conselho é a parte apta a receber as sugestões de quaisquer manifestações oportunas e agirá com maior "embasamento". Lembre-se de Sun Tzu, que dizia: "Seja como a água". Tome a forma do relevo e posicione-se de modo favorável aos interesses da empresa, não necessariamente de seus superiores. Mantenha investidores informados de sua situação. Certamente há pessoas que apreciarão de modo coerente. Estabeleça alianças.
Toda pessoa compõe-se de dois lobos: um profissional e um lado pessoal. Busque conciliar tempo qualitativo para cada atividade. Isso assegurará seu melhor discernimento, dará tranquilidade de buscar um ambiente apropriado.
Não terceirize seus esforços a ninguém. Apenas você realiza sua produção profissional.

E se a empresa que você dedica seu esforço não se interessa por você, parta para outra. Crie sua própria empresa, se necessário. Sempre haverá pessoas que, nesse ambiente rotativo, possam ser adicionadas ao quadro de sua empresa. O concorrente mais poderoso é justamente a união da boa concorrência. Agregue.

Tem-se a estatística da aviação na internet. A segurança diminuiu. O tráfego tem aumentado, e os sinaleiros de trânsito agora participam de mais de uma escala de serviço. Os limites de 14 aeronaves por setor foram sobrepujados pela capacidade das aéreas. É como se acelerássemos um veículo desalinhado. A segurança depende da perícia do motorista.
A empresa está instável.

Isso decorre das condições idiossincráticas de trabalho.

O desempenho dessa empresa é um desastre.

Faça uso de terapia ocupacional. Ande de bicicleta, toque algum instrumento, tire um tempo para si a cada dia. Evite serviços que exijam mais paciência que a dispensada no cotidiano. Poupe-se de desgaste moral e motivacional voltando-se a assuntos que dêem naturalmente bom resultado.

domingo, 13 de junho de 2010

Dependência Operacional Tecnológica

“Face á realidade, o que julgamos saber claramente ofusca o que deveríamos saber." (Gaston Bachelard)


Gosto da idéia de que ser somente mais um número. A gente vai acumulando números no decorrer da vida. O primeiro número é a página do cartório onde foi lavrado seu nascimento.

Minha única identidade civil é a certidão de nascimento.

E mesmo ela publica o nascimento no Hospital das Forças Armadas.

Não possuo cédula de identidade civil.

Não sou de fora do sistema, entendido por Estado.

Minha formação é quase inteiramente militar.

Sei muito bem onde estou, o que faço e porque faço. Atualizo-me constantemente das necessidades de meu ofício e busco moldar-me às necessidades. Não reconheço limites de habilidades. Esforço-me em poucas situações.

Trabalho para pessoas cujo azul da roupa se mescla com a pele. Não são tuaregues.

Temos princípios basilares sólidos e ampla gama de capacidades que não são aplicadas com todo o potencial para que não haja desassossego público.

Meu número favorito é 1040. “Ten-Fourty”. Meu número de Esquadrão. Pertenci a dois Esquadrões de cursos de formação e uma companhia de infantaria. Esse foi o início de minha vida profissional. “point of no return”.

Minha formação inclui Curso de Formação de Soldados, Curso de Especialização de Soldados, Curso de Formação de Cabos e Curso de Formação de sargentos.

Minha primeira função como soldado, recém saído da Companhia de Infantaria do Sexto Comar foi estafeta. Ainda não existiam soldados especializados. A doutrina do estafeta, a regularidade de entrega das correspondências era transmitida de estafeta para estafeta. A celeridade do documento era reforçada pela assinatura da autoridade quanto ao assunto e a destreza do circuito de entrega.

Vencendo a indecisão de que assunto abordar, transcrevo na íntegra o que vem à cabeça.

A cadeia de comando se resumia em um ex-telegrafista rigoroso. Tipo de homem que não aceita que equipamentos apresentem defeitos previsíveis. Confiava no sistema de comutação por evidências de que o excesso de automatização de algumas funções pudessem afetar a capacidade de comunicação do órgão por completo. Ao menos é o que aparentava sua ação técnica e operacional sobre o Sistema de Telecomunicações do Ministério da Aeronáutica. Tinha como atribuição função de gestor de telecomunicações. Controlava pessoalmente as variações de valor das faturas telefônicas do órgão. Coletava quantias particulares e revertia à tesouraria. Conta do tipo “C”. Era um Major.

Eu era o soldado. Uma vez por mês, sentinela. Cuidava da entrada e saída de pessoas e veículos da Unidade.

Uma unidade militar com funções civis.

O Major precisava de auxílio. Não havia GED, Outlook ou similar. Era máquina de escrever, mesmo. Uma mensagem militar seguia rapidamente por diversos fatores. Um dos mais importantes era que um radiograma era facilmente identificável sobre uma mesa. Outro detalhe que assegurava sua celeridade era a utilização racional. As pessoas somente transmitiam as informações via radiograma quando não pudessem utilizar outro meio de comunicação – como o malote. Um procedimento previsto em um manual complexo, mas completo.

Já Soldado Especializado, realizei um curso particular de Agente Administrativo. A intenção era o concurso para o Tribunal de Contas do Distrito Federal. As matérias incluíam Direito Constitucional, Direito Administrativo, Código Penal, dentre outros dispositivos burocráticos recorrentes. As noções básicas de Ato Administrativo, seus requisitos de validade e a ordenação jurídica de leis, portarias, decretos...

Mas briguei com a namorada e não fui classificado para o concurso. Decidi aplicar o conhecimento por algum tempo. O Major havia substituído as máquinas de escrever por computadores. Era muito mais fácil imprimir e tramitar as comunicações internas, partes e outros derivados administrativos. A informatização facilitou a vida administrativa.

Juntamente com os primeiros microcomputadores vieram as planilhas eletrônicas. Isso facilitou o serviço de controle sobre ligações, fornecendo um gráfico simplificado de seu consumo. Uma ferramenta para economicidade. O soldado o confeccionava e o major verificava. Assinatura, protocolo e entrega. Sistema simples. O comandante acompanhava com precisão as necessidades de comunicação central e de destacamentos.

Tinha que ser simples. A tramitação de atos administrativos requeria assinaturas, encaminhamentos e tramitação completa. O computador facilitava por simplificar a correção e a padronização. Isso cedia tempo para as demais atribuições do setor de telecomunicações: atualizávamos as listas de telefones. Havia o TF-4, TF-2, TF-3... e adicionalmente RTCAER, listas miniaturizadas de telefones dos chefes – cabiam na carteira, eu assegurava que fosse possível.

Portanto, muito antes da invenção da Intraer, estávamos muito mais seguros em relação à guerra eletrônica. Um poderoso hacker nada poderia fazer para afetar a comutação automática de mensagens. Essa era uma característica militar de nossos equipamentos que foi muito bem explorada.

Na guerra eletrônica o objetivo é a neutralização da comunicação do inimigo. A capacidade de compor comunicações de campanha era multiplicada conforme o número de estações de comunicações militares disponíveis para apoiar Forças Componentes e dispositivos parecidos previstos em ampla legislação. Vide DCA 600-1.

No estrito entendimento profissional de soldado, não concordava que estivéssemos seguros. Estávamos estáveis.

O aperfeiçoamento dos computadores permitiu que cada seção substituísse a velha máquina de escrever elétrica por editores de texto. Cada “posição administrativa” passou a imprimir mais papel. A demanda burocrática aumentou.

Sob o mantra de que a tecnologia seja irreversível, criaram-se redes para que o trâmite de documentos fosse facilitado. Para desenvolvê-las foram gerados novos sistemas. Mais burocracia.

"Burocracia atrapalha. Onde se cria muita dificuldade, há sempre alguém vendendo facilidades." (Lori Tansey)

Algumas máximas são bastante abrangentes. Lori Tansey parece bastante pertinente. Informática não substitui burocracia. No ambiente público, ela duplica burocracia. Toda comunicação administrativa é gerenciada eletronicamente, engessando a cadeia de comando. Redes desenvolvidas para atender a demanda de documentos militares são derivadas dos conceitos de rede comerciais, a comunicação é extensiva e limitante. Protocolos IP, administradores, servidores locais são termos bastante divulgados e voltados à celeridade da informação digital. Alardear que a tecnologia é irreversível é admitir irrefletidamente a insegurança. Dependência tecnológica é fator de crescente preocupação entre países beligerantes diversos.

A União Soviética produziu rádios valvulados vários anos após a invenção do transistor. Conhecedores dos efeitos das novas tecnologias atômicas, perceberam que rádios valvulados eram menos suscetíveis aos efeitos dos pulsos eletromagnéticos – um efeito adicional da liberação de energia das bombas de destruição em massa.

Não insistiam em válvulas à toa. Soviéticos suplantavam a fragilidade de seus dispositivos possuindo rádios não transistorizados, mais resistentes às perturbações elétricas de um PEM.

Sua estratégia consistia em restabelecer suas comunicações gradualmente após seus efeitos. O problema comum às potências era a sobrevivência posterior ao evento nuclear. Ambos povos, Estados Unidos e União Soviética construíram abrigos no subsolo.

O uso de armas de destruição em massa impede o saque, inutiliza o terreno adversário. Dependendo do adversário, inutiliza o próprio terreno. O efeito sobre as comunicações foi amplamente estudado por Carl Kopp. Disponível na Internet, versão em inglês.

Brush Up your “FISK”.

Posicionamento Multiplex

A opinião pessoal suplanta a profissional. Ela se baseia no que você deseja a si mesmo e espera do próximo. Gosto de abordar a opinião de dois "eu". O "eu" soldado antigo ou o eu pesquisador e historiador militar. Um é o profissional, outro é o cidadão. A gente tem que saber separar bem uma coisa da outra, e de vez enquando misturar tudo. Uma espada e um escudo.


"Evitar o perigo não é, a longo prazo, tão seguro quanto se expor ao perigo. A vida é uma aventura ousada ou, então, não é nada." (Helen Keller)

Você deve aprender rapidamente pelo bom senso
Deve questionar a situação

Você deve perguntar:
Que diretrizes têm a filosofia correta?
Que efetivo e Unidade são necessários?
Que método de comando funciona?
Que grupo de forças tem a competência?
Que grupos de homens foram treinados?
Que investimentos e gastos fazem sentido?
Isso vai dizer quando você vai fortalecer e quando vai enfraquecer
Alguns servidores executam essa análise.
Se usar esses recursos, você vencerá.
Mantenha-os.

Alguns comensais ignoram essa análise.
Se utilizá-los, você perderá.
Livre-se deles.

Compreenda o ambiente e a Unidade de forma vantajosa, ouvindo.
Isso o torna poderoso.
Obtenha ajuda externa.
Conheça a situação.
Assim, o planejamento pode criar vantagens e controlar o poder.

Observação passiva é uma ferramenta da dissuasão.

Quando você está pronto, tenta parecer incapacitado
Quando ativo, finge morosidade.

Quando está próximo do inimigo, mostra-se distante.
Quando está longe, finge estar perto.

Se o oponente tiver uma posição fortalecida, atraia-o para longe dela.
Se o oponente for confuso, seja decisivo.
Se o oponente for sólido, prepare-se contra ele.
Se o oponente for forte, evite-o.
Se o oponente estiver zangado, frustre-o.
Se o oponente for fraco, torne-o arrogante.
Se o oponente estiver relaxado, faça-o trabalhar.
Se o oponente for unido, separe-o.
Ataque-o quando ele estiver despreparado.
Deixe-o quando ele menos esperar.

Você encontrará um lugar onde pode vencer.
Não passe direto por ele.

Antes de tomar uma atitude, você deve acreditar
Que pode contar com a vitória.
Deve enumerar uma série de vantagens.
Antes de lançar-se às atividades, você deve acreditar que
É capaz de prever o insucesso.
Você pode mesmo contar poucos bons resultados.
Muitas vantagens colaboram para a vitória.
Poucas vantagens colaboram para a derrota.
Como você pode conhecer suas vantagens sem analisá-las?
Podemos saber onde estamos por meio de nossas observações.
Podemos antever a vitória ou a derrota com estratégia.

"A alegria de ver e entender é o mais perfeito dom da natureza." (Albert Einstein)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Lin Yutang

II – O celibato, capricho da civilização
A adoção de um ponto de vista biológico tão simples e natural implica dois conflitos: primeiro, o conflito entre o individualismo e a família, e depois, um conflito mais profundo entre a estéril filosofia do intelecto e a mais ardente filosofia do instinto. Pois o individualismo e o culto do intelecto costumam cegar o homem para as belezas da vida doméstica e, entre ambos, creio que o primeiro não é tão maléfico quanto o segundo. Um homem que creia no individualismo e o leve às suas conseqüências lógicas pode ser ainda inteligente; mas o homem que crê na cabeça fria contra o coração vivaz é um tolo. Para a família como unidade social pode haver substitutos, mas não para a perda do instinto do acasalamento e do instinto paterno e materno.
Temos de partir da premissa de que o homem não pode viver só neste mundo e ser feliz, mas deve associar-se a um grupo. O eu do homem não está limitado por suas proporções corporais, pois existe um eu muito maior que se estende até onde alcançam as suas atividades mentais e sociais. Em qualquer época e país, e sob qualquer forma de governo, a verdadeira vida que significa alguma coisa para o homem não é jamais extensiva com seu país ou sua época, mas consiste nesse mais íntimo círculo de suas relações e atividades, a que chamamos o eu maior. Nesta unidade social, ele vive e se move e tem sua individualidade. Tal unidade social pode ser uma paróquia, uma escola, uma prisão, ou uma casa de negócios, ou uma organização filantrópica. Podem ocupar estas a posição do lar como unidade social, e substituí-lo por completo às vezes. A própria religião, ou acaso um grande movimento político pode consumir o ser inteiro de um homem. Mas, de todos esses grupos, o lar continua sendo a única unidade natural e biologicamente real, satisfatória e significativa de nossa existência. É natural, porque cada homem se encontra já em seu lar quando nasce e também porque continua em um lar durante a vida, e é biologicamente real porque a relação do sangue empresta realidade visível à noção desse seu eu maior. Quem não consiga bom êxito nesta vida natural do grupo não pode esperar êxito na vida em outros grupos. Confúcio disse: “os jovens deveriam aprender a ser filiais no lar e respeitosos na sociedade; deveriam ser conscientes e honestos, e amar a todas as pessoas e juntar-se aos homens bondosos. Se depois de cumprir esses preceitos, resta-lhes energia, que leiam livros”. Além da importância desta vida do grupo, o homem se expressa e se realiza plenamente e chega ao mais alto desenvolvimento de sua personalidade quando encontra um adequado complemento em uma pessoa de outro sexo.
Bem o sabe a mulher, que tem um sentido biológico mais profundo que o do homem. Subconscientemente, todas as meninas chinesas sonham com a vermelha saia de bodas e o palanquim nupcial, e todas as meninas ocidentais sonham com o véu de noiva e os sinos do casamento. A natureza dotou as mulheres de um instinto maternal bastante poderoso para que não possam ser facilmente afastadas do caminho por uma civilização artificial. Não duvido de que sua natureza conceba a mulher, sobretudo como mãe, mais do que como esposa, dotando-a de características morais e mentais atinentes ao seu papel como mãe, que encontram sua verdadeira explicação e unidade no instinto maternal: idealismo, juízo, gosto por detalhes, amor aos pequenos e desventurados, desejo de cuidar de alguém, forte amor e ódio instintivos, profunda vida emotiva, e um ponto de vista geralmente pessoal sobre todas as coisas. A filosofia, portanto, muito errou abandonando o próprio conceito da natureza e procurando tornar felizes as mulheres sem levar em conta esse instinto maternal que é o traço predominante e a explicação central de todo o seu ser. Assim, em todas as mulheres com pouca ou nenhuma educação, o instinto maternal nunca está suprimido, aparece na meninice, e torna-se cada vez mais forte na adolescência até a maturidade, ao passo que no homem o instinto paternal raramente se torna consciente, até passados os trinta e cinco anos, ou, em todo caso, até que tenha um filho ou uma filha de cinco anos. Não creio que um homem de vinte e cinco anos pense jamais em ser pai. Enamora-se de uma jovem e incidentalmente produz um bebê e esquece o assunto, ao passo que os pensamentos de sua mulher não se ocupam de outra coisa, até que um dia, passados já os trinta e cinco, descobre o pai que tem um filho ou uma filha a quem pode levar às compras e mostrar aos amigos, e só então começa a sentir-se paternal. Poucos são os homens de vinte a vinte e cinco que não se divirtam com a idéia de chegarem a pais e fora disso não pensam no assunto, ao passo que ter um filho, ou mesmo esperá-lo, é provavelmente a coisa mais séria que pode ocorrer na vida de uma mulher, e transforma todo o seu ser a ponto de efetuar uma completa mutação em seu caráter e costumes. O mundo converte-se-lhe num mundo diferente, quando uma mulher está para ser mãe. Desde esse momento, não lhe resta dúvida alguma quanto à sua missão na vida ou à finalidade de sua existência. Precisa-se dela, e ela é necessária. Ela desempenha a sua função. Vi a mais amimada e luxenta filha única de uma rica família chinesa convertida em uma heróica mulher e vi-a perder o sono durante meses enquanto seu filho esteve doente. No plano da natureza, não é necessário um instinto paternal assim, nem assim acontece, porque como o pato ou o ganso, tem o homem pouco interesse por sua cria, além de haver contribuído com a sua parte. As mulheres, por conseguinte, sofrem muito mais quando essa força motriz central de seu ser não se expressa e não funciona. Não me falem da excelência da civilização norte-americana para o sexo feminino quando permite que tantas mulheres boas fiquem solteiras sem culpa nenhuma.
Não duvido que o desajuste dos matrimônios norte-americanos se deva muito principalmente a essa discrepância entre o instinto maternal das mulheres e o instinto paternal dos homens. A imaturidade emotiva dos jovens norte-americanos não pode ter outra explicação a não ser esse fato biológico; os homens que se criam sob um sistema social de excessivos mimos à juventude não possuem o senso da responsabilidade que têm as moças, devido a seu desenvolvido instinto maternal. Seria ruinoso que a natureza não dotasse as mulheres de suficiente sobriedade quando estão fisiologicamente aptas para ser mães. Os filhos de famílias pobres possuem esse sentimento de responsabilidade, proporcionado pelas circunstâncias mais penosas, e desse modo só ficam os filhos mimados das famílias ricas – em uma nação que venera e mima a juventude – em ideais condições para se converterem em incompetentes sociais e emotivos.
Afinal, só nos interessa a pergunta: “como viver ma vida mais feliz?”, e não pode ser feliz nenhuma vida a menos que, além das realizações superficiais da vida externa, se efetivem as tendência mais profundas do indivíduo. O celibato, como ideal sob a forma de “carreira pessoal”, traz consigo não só um toque individualista, mas também outro totalmente intelectual, e por esta última razão deve ser condenado. Sempre suspeito que o solteirão ou a solteirona que perseveram em tal estado por deliberação própria são uns meros intelecutalistas, por demais preocupados com suas realizações externas, e certos de que, como seres humanos, podem encontrar a felicidade em um defeituoso sucedâneo da vida doméstica, ou que podem encontrar um interesse intelecutal, artístico ou profissional profundamente satisfatório.
Nego-o. Este espetáculo do individualismo, do celibato e da ausência de filhos, da procura do sucedâneo em “carreiras” e empresas ou em campanhas para impedir a crueldade para com os animais, sempre me surpreendeu como uma coisa tola e cômica. Isto é fisiologicamente sintomático no caso dessas velhas solteironas que procuram processar o diretor de um circo por sua crueldade com os tigres, pois despertaram suas suspeitas as marcas dos relhaços no lombo dos animais. Parecem provir tais protestos de um instinto maternal mal dirigido, aplicado a uma espécie inadequada, como se os verdadeiros tigres jamais se preocupassem com uns poucos relhaços. Essas pessoas tateiam vagamente em busca de alguma coisa, empenhando-se em convencer a si mesmas e aos outros de que ocupam um lugar na vida.
Os louros dos triunfos políticos, literários e artísticos só podem produzir nos seus portadores um pálido, intelectual sorriso, enquanto é imensamente real e impossível de descrever com palavras e alegria de ver crescerem filhos fortes e sadios. Quantos autores e artistas estão satisfeitos com suas realizações ao atingir a velhice, e quantos as consideram tão-somente simples produtos de um passatempo, justificáveis sobretudo como meio de ganhar a vida? Contam que poucos dias antes da sua morte Herbert Spencer fez empilhar sobre a sua cama os dezoito volumes da filosofia sintética e que, ao sentir seu preso frio, perguntou se não seria melhor ter um neto em lugar desta obra. Não teria trocado a sábia Elia a totalidade de seus ensaios por um de seus “filhos de sonho”? Não duvido que tenha sido uma satisfação moral e estética para John D. Rockefeller a idéia de tanto haver contribuído para a felicidade humana em tão vastas regiões. Mas, ao mesmo tempo, não duvido que essa satisfação fizesse menor sentido quanto à vida privada.