domingo, 13 de junho de 2010

Dependência Operacional Tecnológica

“Face á realidade, o que julgamos saber claramente ofusca o que deveríamos saber." (Gaston Bachelard)


Gosto da idéia de que ser somente mais um número. A gente vai acumulando números no decorrer da vida. O primeiro número é a página do cartório onde foi lavrado seu nascimento.

Minha única identidade civil é a certidão de nascimento.

E mesmo ela publica o nascimento no Hospital das Forças Armadas.

Não possuo cédula de identidade civil.

Não sou de fora do sistema, entendido por Estado.

Minha formação é quase inteiramente militar.

Sei muito bem onde estou, o que faço e porque faço. Atualizo-me constantemente das necessidades de meu ofício e busco moldar-me às necessidades. Não reconheço limites de habilidades. Esforço-me em poucas situações.

Trabalho para pessoas cujo azul da roupa se mescla com a pele. Não são tuaregues.

Temos princípios basilares sólidos e ampla gama de capacidades que não são aplicadas com todo o potencial para que não haja desassossego público.

Meu número favorito é 1040. “Ten-Fourty”. Meu número de Esquadrão. Pertenci a dois Esquadrões de cursos de formação e uma companhia de infantaria. Esse foi o início de minha vida profissional. “point of no return”.

Minha formação inclui Curso de Formação de Soldados, Curso de Especialização de Soldados, Curso de Formação de Cabos e Curso de Formação de sargentos.

Minha primeira função como soldado, recém saído da Companhia de Infantaria do Sexto Comar foi estafeta. Ainda não existiam soldados especializados. A doutrina do estafeta, a regularidade de entrega das correspondências era transmitida de estafeta para estafeta. A celeridade do documento era reforçada pela assinatura da autoridade quanto ao assunto e a destreza do circuito de entrega.

Vencendo a indecisão de que assunto abordar, transcrevo na íntegra o que vem à cabeça.

A cadeia de comando se resumia em um ex-telegrafista rigoroso. Tipo de homem que não aceita que equipamentos apresentem defeitos previsíveis. Confiava no sistema de comutação por evidências de que o excesso de automatização de algumas funções pudessem afetar a capacidade de comunicação do órgão por completo. Ao menos é o que aparentava sua ação técnica e operacional sobre o Sistema de Telecomunicações do Ministério da Aeronáutica. Tinha como atribuição função de gestor de telecomunicações. Controlava pessoalmente as variações de valor das faturas telefônicas do órgão. Coletava quantias particulares e revertia à tesouraria. Conta do tipo “C”. Era um Major.

Eu era o soldado. Uma vez por mês, sentinela. Cuidava da entrada e saída de pessoas e veículos da Unidade.

Uma unidade militar com funções civis.

O Major precisava de auxílio. Não havia GED, Outlook ou similar. Era máquina de escrever, mesmo. Uma mensagem militar seguia rapidamente por diversos fatores. Um dos mais importantes era que um radiograma era facilmente identificável sobre uma mesa. Outro detalhe que assegurava sua celeridade era a utilização racional. As pessoas somente transmitiam as informações via radiograma quando não pudessem utilizar outro meio de comunicação – como o malote. Um procedimento previsto em um manual complexo, mas completo.

Já Soldado Especializado, realizei um curso particular de Agente Administrativo. A intenção era o concurso para o Tribunal de Contas do Distrito Federal. As matérias incluíam Direito Constitucional, Direito Administrativo, Código Penal, dentre outros dispositivos burocráticos recorrentes. As noções básicas de Ato Administrativo, seus requisitos de validade e a ordenação jurídica de leis, portarias, decretos...

Mas briguei com a namorada e não fui classificado para o concurso. Decidi aplicar o conhecimento por algum tempo. O Major havia substituído as máquinas de escrever por computadores. Era muito mais fácil imprimir e tramitar as comunicações internas, partes e outros derivados administrativos. A informatização facilitou a vida administrativa.

Juntamente com os primeiros microcomputadores vieram as planilhas eletrônicas. Isso facilitou o serviço de controle sobre ligações, fornecendo um gráfico simplificado de seu consumo. Uma ferramenta para economicidade. O soldado o confeccionava e o major verificava. Assinatura, protocolo e entrega. Sistema simples. O comandante acompanhava com precisão as necessidades de comunicação central e de destacamentos.

Tinha que ser simples. A tramitação de atos administrativos requeria assinaturas, encaminhamentos e tramitação completa. O computador facilitava por simplificar a correção e a padronização. Isso cedia tempo para as demais atribuições do setor de telecomunicações: atualizávamos as listas de telefones. Havia o TF-4, TF-2, TF-3... e adicionalmente RTCAER, listas miniaturizadas de telefones dos chefes – cabiam na carteira, eu assegurava que fosse possível.

Portanto, muito antes da invenção da Intraer, estávamos muito mais seguros em relação à guerra eletrônica. Um poderoso hacker nada poderia fazer para afetar a comutação automática de mensagens. Essa era uma característica militar de nossos equipamentos que foi muito bem explorada.

Na guerra eletrônica o objetivo é a neutralização da comunicação do inimigo. A capacidade de compor comunicações de campanha era multiplicada conforme o número de estações de comunicações militares disponíveis para apoiar Forças Componentes e dispositivos parecidos previstos em ampla legislação. Vide DCA 600-1.

No estrito entendimento profissional de soldado, não concordava que estivéssemos seguros. Estávamos estáveis.

O aperfeiçoamento dos computadores permitiu que cada seção substituísse a velha máquina de escrever elétrica por editores de texto. Cada “posição administrativa” passou a imprimir mais papel. A demanda burocrática aumentou.

Sob o mantra de que a tecnologia seja irreversível, criaram-se redes para que o trâmite de documentos fosse facilitado. Para desenvolvê-las foram gerados novos sistemas. Mais burocracia.

"Burocracia atrapalha. Onde se cria muita dificuldade, há sempre alguém vendendo facilidades." (Lori Tansey)

Algumas máximas são bastante abrangentes. Lori Tansey parece bastante pertinente. Informática não substitui burocracia. No ambiente público, ela duplica burocracia. Toda comunicação administrativa é gerenciada eletronicamente, engessando a cadeia de comando. Redes desenvolvidas para atender a demanda de documentos militares são derivadas dos conceitos de rede comerciais, a comunicação é extensiva e limitante. Protocolos IP, administradores, servidores locais são termos bastante divulgados e voltados à celeridade da informação digital. Alardear que a tecnologia é irreversível é admitir irrefletidamente a insegurança. Dependência tecnológica é fator de crescente preocupação entre países beligerantes diversos.

A União Soviética produziu rádios valvulados vários anos após a invenção do transistor. Conhecedores dos efeitos das novas tecnologias atômicas, perceberam que rádios valvulados eram menos suscetíveis aos efeitos dos pulsos eletromagnéticos – um efeito adicional da liberação de energia das bombas de destruição em massa.

Não insistiam em válvulas à toa. Soviéticos suplantavam a fragilidade de seus dispositivos possuindo rádios não transistorizados, mais resistentes às perturbações elétricas de um PEM.

Sua estratégia consistia em restabelecer suas comunicações gradualmente após seus efeitos. O problema comum às potências era a sobrevivência posterior ao evento nuclear. Ambos povos, Estados Unidos e União Soviética construíram abrigos no subsolo.

O uso de armas de destruição em massa impede o saque, inutiliza o terreno adversário. Dependendo do adversário, inutiliza o próprio terreno. O efeito sobre as comunicações foi amplamente estudado por Carl Kopp. Disponível na Internet, versão em inglês.

Brush Up your “FISK”.

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