quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Cacatua na China?


151209 – Parei em casa um pouquinho. Precisava fazê-lo.
Se tivesse de explicar para o chinês (indivíduo não-identificado visitando minha Unidade) – ou o japonês (Comandante da Aeronáutica) – a confusão que presenciava e a necessidade de pôr os dados à autocrítica, sei que gostariam de sabê-lo. É uma história tão curiosa quanto a própria sabedoria oriental saberia apreciá-la. Estranho, que agora sinto-me apto a fazê-lo. E com a serenidade de um oficial alemão.
Diria o seguinte:
“ Sentinela foi a melhor fase de minha vida. Uma realização pessoal da qual ninguém neste mundo me faz crer que não fosse um dos melhores. Sempre fui um antigo fingindo ser novinho.
E aprendi a gostar de trabalhar com a defesa aérea de meu país, muito embora não compreenda de fato o grau de compromisso ou autoridade de cada um em ambiente natural: a caserna.
E é estranho assumi-lo, porque é naturalmente desconfortável para um militar se exprimir com precisão digna do tempo empregado à leitura. Ninguém gosta de fazer-se exprimir ou agir de modo a ofender nenhum leitor. Decerto vejo valor tanto no soldado como no general estendendo-me ainda ao estrangeiro.
E por isso escrevo de modo a não desperdiçar tempo. Inclusive alheio.
Tudo o que um militar precisa para fazer-se exprimir com precisão é elaborar um COE. Comunicação Oral e Escrita. Isso não significa que não se possa utilizar meios visuais para empreender uma idéia. Um dos mais bacanas que vi foi o da primeira reunião entre o Comandante e o efetivo. Um vídeo realmente excelente, embora com alguns figurantes peculiares.
Um dia, observando algumas fotografias estáticas numa exposição de uma comitiva chinesa, fiquei surpreso em saber que na china havia cacatuas em residências. Fiquei pasmo. Mesmo na China pode-se criar uma Cacatua em uma sala de estar? No Brasil, se o IBAMA pega...
Por coincidência, um chinês super-descolado aproximou-se. A tira-colo, nada mais nada menos que o Comandante de nossa Organização Militar. Ocorre que, na presença de estrangeiros, compulsório atitude de respeito, mas observação. Entro no que chamo intimamente meu ‘módulo operacional’.
Significa que faço uma leitura detalhada do indivíduo estrageiro. É involuntário, coisa de soldado. Justifico esse procedimento porque, tendo sido soldado trabalhava em uma guarda. A guarda de minha própria Unidade. E as comitivas estrangeiras visitando a Unidade eram raras...
Acostumado ao serviço de sentinela, tudo o que pude observar naquele momento é que não portava crachá. Péssimo assunto. Por isso, saí de fininho...”.
Também porque se soubessem que o modelo de nossa Unidade vigente na década de 80 aumentaria em muito a segurança da China, ficariam surpresos. Controle de tráfego civil e militar simultâneo é desejável para qualquer país de grandes dimensões. Mas esse não era o melhor assunto...
Enfim: o chinês aproximou-se trajando um sóbrio – e padronizável – terno preto, salvo engano sem riscas, ou discretíssimas. Bom corte. Não transita no local de algumas fotos. Mesmo na China, onde a pena de amputação é lei, há cidadãos que não transitam fora das capitais. Como no Brasil.
Perguntei-o em português se havia cacatuas na China. Minha intenção era saber se era existente em sua fauna. Sempre acreditei que cacatuas fossem de uma espécie do papagaio que existiam em ilhas polinésias, como no seriado “Ilha da Fantasia”. “- O avião, patrão!!!...”
De início, o chinês não entendeu a pergunta. Repeti a mesma pergunta em inglês. Lapso de interpretação, surge a resposta:
“- Sim, temos.” – ou algo similar.
Cacatua é cockatoo em inglês e tem sonoridade semelhante. Tá no Wikipédia. E creio que o chinês estava errado: são oriundas das Filipinas, Indonésia e Ilhas Solomon.
Ou seja: dificilmente é natural da China. Não da região Qin.
Souvenir da Ilha da Fantasia.
Pudesse encontrar o chinês novamente, teria explicado porque, dentre tantas fotos, a que chamava atenção era o psittaciforme. Ele havia apontado um casamento chinês. Achei que era um almoço.
Minha atenção ao pássaro vem do entendimento pessoal que onde há fauna agradável há pássaros, e os pássaros favorecem a flora. Compreendendo por conseqüência que pássaros são semeadores e polinizadores naturais, como as abelhas.
A diferença entre a família chinesa da foto e a brasileira é que criamos nossos animais fora de casa. Há espaço para eles, e de certo modo as pequenas áreas intocadas pela civilização abrigam pássaros que migram às cidades. Por isso somos cercados de trinca-ferros, sabiás, bem-te-vis e outros tantos seres curiosos. Presto atenção, sempre que possível, na existência e canto dos pássaros. Acredito que chineses busquem fazer o mesmo.
Em comum, o psittaciforme. Tivesse preparado-me para apresentar a casa brasileira, o exterior muitas vezes é materialmente mais belo. No pé de goiaba (The apple guava or common guava (Psidium guajava; known as Goiabeira or Goiaba in Brazil and Guayava in parts of The Americas) is anevergreen shrub or small tree native to Mexico, the Caribbean, and Central and South America.[1] It is easily pollinated by insects; in culture, mainly by the common honey bee, Apis mellifera.
This species has become invasive in central and southern Florida and should not be planted or sold there.) pousam todas as manhãs papagaios do tipo Amazona viridigenalis. E se vire para acessar o Wikipédia pra lá daquele muro enorme...
O curioso é que é uma ave natural do nordeste do México e a fruta também. o pé de goiaba foi considerado uma praga na Florida.
Por isso encontro-os de manhã, no Brasil. Do lado de fora de meu quarto. Eles também gostam de goiaba.
Além dos Psittacidae, Cacatuidae há também os Nestoridae...
Depois de toda essa encheção de lingüiça, pena não poder enviar um presente. Um singelo gibi: Zé carioca.
A alfândega não deixa.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

sábado, 28 de novembro de 2009

“Undolasijá”

Era uma expressão curiosa. Admito que minha infância foi um pouco diferente da dos demais coleguinhas. Até os doze anos de idade, tinha poucos mas sólidos amigos. A maior parte era de meninos que, da mesma forma que eu, era “antenado”. Gente com grau de curiosidade maior que o de desejo de conforto. Sempre gostei de ler, muito embora meu dia não o permitisse. Desde criança.

E quando eu era criança, me espantei com uma expressão da qual ainda não tinha ouvido. Na decisão de iniciar uma corrida, alguém berrou no meio da brincadeira:

“Undolasijá!”

Todos correram, menos eu.

Não sabia que era o grito de “vai!” dos colegas. Não havia lido em lugar algum, não tomei conhecimento. Mas após algumas gozações, passei a iniciar uma corrida louca toda vez que alguém dizia “undo...” e me concentrava em correr.

Levei anos para tentar compreender a “onomatopéia” que gerou essa palavra. Sendo franco, ainda não estou bem seguro de seu significado. Mas se tomarmos por exemplo a velha palavra forró, e admitirmos que há lógica em dá-la por originada em “for all”, pode-se imaginar que “undolasijá” talvez tenha surgido no nordeste. Não é difícil imaginar a figura de uma Tieta-do-Agreste, que após voltar da capital, carrega consigo os dólares dos turistas e marinheiros a quem prestou assistência física. Não deu para trocar o dinheiro na casa de câmbio. Dar, deu. Mas não conseguiu.

Chega cheio de malas. Os meninos, vacilantes, não sabem se a ajudam ou não. Para facilitar a iniciativa, exclama a mulher:

- Preciso de uma ajudinha para carregar as malas... um dólar, se já!

Ouvindo a palavra dólar, o subconsciente imediatamente se manifesta e o corpo passa a agir. Deste modo, tudo o mais era questão de um dólar. Se já.

E é estranho imaginar que, sendo esta uma das possíveis origens da palavra, crianças façam mais uso que adultos. Em brincadeiras, repetem sem compreensão de seu possível significado original, e desatam a correr baratinados, como movido por um dólar invisível e desconhecido. Mas as brincadeiras poderiam ser interessantes. Imagine um adolescente, falando para a conhecida:

- E aí...? Vamos ver quem chega primeiro no quartinho escuro?

-Ah... num sei...

- Um dólar se...

- Oba!!!

Mas entre meninos, combinando brincar de “pique esconde”, não havia a menor motivação. Os outros corriam como hienas de havaianas, pulando carniça.

Eu não. Quando todos desataram a correr, a primeira coisa que perguntei a mim mesmo foi se alguém dos que corriam trazia consigo um dólar.

Creio que não.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Lin Yutang

"Não há no mundo livros que se devam ler, mas somente livros que uma pessoa deve ler em certo momento, em certo lugar, dentro de certas circunstâncias e num certo período da sua vida"

Lin Yutang, pensador chinês, filho de uma chinesa e de um pastor protestante, consegue, com toda sutileza chinesa, nos levar a uma reflexão bem-humorada da vida em seu livro A Importância de Viver, de 1937.
No livro, que mais mostra a vida sob a ótica chinesa, chama a atenção a teoria da necessidade de sermos vagabundos, pois segundo Lin, o vagabundo era uma figura vista com admiração por seu povo, na antiga China. O cuidado que se deve ter, é de que o vagabundo chinês é o homem que vive e goza uma plena liberdade espiritual e social, e não um parasita, como é o vagabundo que conhecemos. Por isso a figura do vagabundo dentro da cultura chinesa é bela, enquanto o vagabundo, dentro da cultura ocidental, é tão somente alguém desprezível. Porém, mesmo assim, é bom lembrar que Charles Chaplin, mesmo sendo inglês, conseguiu com a magia da sua inimitável arte, criar o vagabundo Carlitos, lindo e amado, justamente por se aproximar ? e muito, da figura do vagabundo chinês.
Outro ponto que Lin Yutang trata com maestria, é a do bêbado poeta. Para ele, quanto mais a alma de um homem está triste, buscando na bebida algo que nem mesmo ele sabe, maior será sua chance de criar grandes poemas. E Lin cita então alguns poetas chineses da antiguidade que criaram os mais belos poemas, bêbados ou saindo de um porre.
E Lin Yutang faz um passeio em quase 400 páginas monologando com o leitor e levando-o do mundo interessante de um simples condutor de bonde até o proeminente político, que, é claro, é abominado pelo pensador, assim como o foi por Tucker, que detestava políticos e advogados, pois quando ele tentava iniciar sua pequena, porém promissora fábrica de automóveis, eles se posicionaram ao lado da gigantesca Ford. Por isso Tucker os detestava e Lin diz em seu livro que o meio político é tão sórdido, que dificilmente atrairá para si homens de caráter...
Para concluir, leia alguns pensamentos de Lin Yutang: A vida social só pode existir na base de uma certa dose de mentiras refinadas e de que ninguém diga exatamente o que pensa. Além da nobre arte de conseguir fazer as coisas , existe a nobre arte de deixar as coisas por fazer. A sabedoria da vida consiste na eliminação do que não é essencial. É certo que os fumantes causam alguns incômodos aos não-fumantes, mas tal incômodo é físico, ao passo que o incômodo que os não-fumantes causam aos fumadores é espiritual. Entre todos os direitos da mulher, nenhum é maior que o de ser mãe. Nada neste mundo se equipara em beleza a um homem idoso pleno de vitalidade e sabedoria. No Ocidente, pensa-se muito em sexo e pouco nas mulheres. O sábio lê livros, mas lê também a vida. O universo é um grande livro e a vida é uma grande escola. Se consegues viver uma tarde absolutamente inútil, de maneira absolutamente inútil, então sabes viver.

domingo, 1 de novembro de 2009

Quer saber, apure.

Uma quase-loira está me empertigando a cabeça. Não atendeu o cel, nem ligou de volta. Há algo errado.

Há algum tempo, a gente tinha um “acordo pessoal”. Se ela ligasse, eu atendia de imediato se estivesse próximo ao telefone e vice-versa. Era gostoso quando vinha à mente aquele sorriso aberto que ela tem mania de soltar quando me via. Não tem acontecido isso, recentemente. Logo, bom apurar antenas...

Não é incomum que eu decida fazer algo e faça outra coisa completamente diferente. Muitas vezes é mais interessante fazer o que deve do que o que quer fazer.

Em vários campos. Do profissional, o afetivo, muitas de nossas decisões são tomadas em maior consideração de seus efeitos do que nossas vontades pessoais. Noutras, o inverso.

Minha confiança nas pessoas é um banco onde costumo sempre depositar. Se a confiança creditada não render, saco tudo e encerro a conta. Isso pode parecer radical ou exagerado. Mas a experiência pessoal fez-me assim. Tive excelentes situações de aprendizado.

Fui casado durante treze anos, e a maior parte das pessoas não faz idéia do que seja contornar situações indesejáveis por mais de uma década. Principalmente fazendo-o com alguém que gostava de decidir diametralmente às avessas de suas decisões. Acostumar-se à presença de um ou outro remador que reme ao contrário desenvolve “musculatura” para o restante da tripulação. Se não virar o barco antes.

A vida pessoal de cada um merece a liberdade de não ser criticada. Cada pessoa com quem se conversa tem direto a ser objetivo em suas vidas, ou não. Fórum íntimo, ou seja: aquilo que se decide ou julga conforme seu próprio entendimento. O que cada pessoa leva em consideração durante conversas ou discussões depende de sua percepção da situação. Por isso decidir pelo coletivo é tão difícil. Para um ponto de vista convergente ou divergente, há sempre uma percepção diferente de pessoa para pessoa. O que cada um percebe, é “arte” de cada mente – brilhante ou não.

Percebo que muitas vezes é improdutivo dar atenção a alguns detalhes da vida. Noutras, o “detalhe” muitas vezes economiza-lhe tempo. O tempo desperdiçado em algo que não dava mostras de solução.

É possível que o leitor já tenha passado por situações de decisão extrema. Na vida de um soldado, isso é uma constante. A gente se acostuma a estar sempre faltando algo à decisão. Quando há a faca e o queijo na situação, as mãos estão amarradas. Vida de soldado nunca é simples.

As pessoas ficam impressionadas com a capacidade destrutiva de um soldado bem treinado. E pra ser bastante sincero, meu santo está cansando. De saco cheio de ser enrolado a cada dia pelo governo, pela TV, vizinhos, conhecidos, parentes... todo mundo tem algum tipo de desagrado de tempos em tempos. Costumo explodir na freqüência de vulcões. Uma na vida, outra na morte alheia. De fato, vulcões só se demonstram vivos quando entram em atividade, e são tidos como inevitáveis.

Típico do milico. Com esse indivíduo, o treinamento em paciência é todo dia. Finge-se de morto para comer o cu do coveiro. O treinamento é diário e silencioso. Pode acontecer na fila de abastecimento, quando algum engraçadinho tenta adiantar-se para tomar sua vaga no estacionamento, ou mesmo quando percebe que há informações desencontradas.

Não creio ter dito, mas não sou afeto a escrever sobre minhas próprias experiências. Mas na maior parte das vezes nas quais tenho tempo de revisar atitudes, percebo que mais acerto do que erro. E isso é resultado de um treinamento. Não é bom que se externe o modus operandi que lhe dá uma cartada a mais no jogo da vida.

Na paciência de acompanhar o desenrolar de situações, o “radar” ao qual chamamos percepção normalmente se desenrola muito além das intenções do observador. Aprender é observar com atenção – e compreender.

Exemplo claro foi o seguinte acontecimento > conheci uma gata há algum tempo, e aproveitei a primeira briga para observar melhor à distância. Depois de algum tempo, houve rumores de que ela havia saído também com outro camarada. Disseram que ela “gostava de homem fardado”. Maldade, né?

Não sei. Na dúvida, perguntei se tinha rolado alguma coisa.

“- Não, nada a ver...”

“- Ok.”

Em outro momento, perguntei ainda à queima-roupa:

“- Tá com namorado, delícia?”

“- Não.”

Ou seja: um grupo de informações desencontradas. Para um milico, a vida é treinamento – e já tive problemas de mulher pulando cerca antes. Meu ponto de vista vai além da ofensa pessoal. É caso de vida ou morte. Se a mulher contrair doenças mortais e passar para o marido, ai dos filhos. Para não ter acesso a esse tipo de quadro, é bom observar bem o procedimento da gata que você está para “escalar” como sua. Digo escalar com a autoridade de quem pode escolher mulher. A estatística afirma: somos um homem para cerca de 7 mulheres. É muita mulher precisando de um “algo mais” na vida. Trepar, como ferramenta mecânica da arte de amar, não deixa de ser algo a mais. Só que é um algo a mais que deve ser abordado com certo cuidado. Ninguém gosta de ser componente de uma lista de prováveis pais. E nesse escopo, sou muito rigoroso.

Por isso sou “chato” em sacar a garota com quem deixo de usar camisinha. Observo seu comportamento sexual para obter melhor segurança de vida. E tem um detalhe: aprendi a ler em duas ou três transas, o “mapa mental” de desejos dessas criaturas esfomeadas.

Ela teve sorte esse final de semana. Fiquei de almoçar na cantina que ela toca no sábado, mas tive problemas diversos. Deixei para ligar mais tarde 18:09 da tarde. Normalmente, nos ligamos e atendemos de imediato. Até hoje faço assim com ela.

Só que o telefone tocou duas vezes e entrou a caixa de mensagens.

Esperei quase um minuto e liguei de novo. Tocou três vezes e entrou a caixa de mensagens.

O que isso significa?

Para um bom conhecedor de telecomunicações, quando se liga de celular para celular, o primeiro celular a receber o toque de campainha é o que recebe a ligação. Logo depois, o que fez a ligação. Para cada toque do outro lado, há um toque do lado de cá, e a comunicação só é desviada para a caixa de mensagens após tocar cerca de cinco vezes.

O celular tocou duas vezes, e certamente foi apertado o botão de ignorar. O serviço foi desviado para a caixa de mensagens.

Aguardei alguns segundos, na intenção de parecer desistir de ligar. Liguei logo após e contei de novo. O celular, que já havia sido devolvido à enorme bolsa – ou ao diminuto bolso – levou o tempo necessário para tocar três vezes e ser desligado. Comportamento comum quando se está consertando um carro, fazendo comida, transando ou prestes a transar.

Caso contrário, não vejo motivos para não atender um celular.

A curiosidade consome qualquer ser humano de senso lógico. A sorte da “galega” esse final de semana é que estou sem a motocicleta. Para um soldado treinado, patrulha é rotina. Uma camiseta diferente, um boné emprestado e alguns minutos no barzinho próximo e tudo se esclareceria.

Só que, como já foi dito, a vida de soldado nunca é simples. A moto, cheia de multas, está sem placa. Foi perdida há algum tempo, e para reemplacar é necessário pagar mais de mil e quinhentos reais em multa. Os outros dois carros: uma Quantum ou uma Saveiro, dependem do segundo dia útil para voltar a circular com segurança – e combustível adicional.

Logo, essa curiosidade ainda vai durar duas semanas. Informações de rotina sugerem que o alvo tem cumprido alternadamente a guarda da criança. Há de se considerar ainda a possibilidade de proximidade maior com o pai da criança – um desejo incontido de algumas mulheres malsucedidas no casamento.

Logo, a estratégia imediata é observar e esperar.

A vida de sempre de qualquer soldado.

sábado, 10 de outubro de 2009

Criptocronia

Imagine se Marcelo D2 tivesse sido obrigado a servir na Base Aérea de Afonsos. As músicas teriam saído diferente...


Qual é? – Marcelo S2

Eu tenho algo a dizer,

Explicar pra você

Mas não garanto, porém

Que engraçado eu serei dessa vez

Para os novinhos daqui,

Para os antigos de lá

Se você se porta como um homem, um homem será

...Que você mantém a conduta? Será

...que segue firme e forte na luta

A outros caminhos a Força vai te levar

Se você agüenta ou não, o que será, será.

Mas sem esse caô de que está ruim, não tá

“esse” eu já vi, vim e venci – deixa pra lá

Tá ruim pra você, também ta ruim pra mim

Tá ruim pra todo mundo, o Brasil é assim

Sem sorte no banco, feliz no amor

Quem nasceu pra ser sargento não quer ser aviador

Há cinqüenta anos a força aérea manda a vera:

“Abaixou a cabeça, já era.” – então diz:

Essa onda que tu tira, qual é?

Essa marra que tu tem, qual é?

Tirar onda com ninguém, qual é?

Qual é, novinho, qual é?

Então vem: devagar no miudinho

Então vem: chega devagar, no sapatinho.

Antigo que sou eu não vou vacilar

Eu sou o que sou e ninguém vai me mudar

Porque eu tenho o escudo contra vacilão:

Papel e caneta e identidade na minha mão.

E é isso o que é preciso: coragem e humildade

A atitude certa na hora da verdade.

O que você precisa para evoluir?

Me diz o que você precisa pra sair daí?

Corneta é o som, a Força é o lugar...

Incomodados que se mudem, eu estou aqui pra incomodar

De que lado você trampa? Você trampa de que lado?

Na hora que o bicho pega é melhor estar preparado

E lembrando de Chico comecei a pensar

“Que eu me organizando posso desorganizar”

Então diz:

Essa onda que tu tira, qual é?

Essa marra que tu tem, qual é?

Tirar onda com ninguém, qual é?

Qual é, novinho, qual é?

Saca aí:

Andar como anda um reco, brother

Falar como fala um reco, brother

Escamar como escama um reco, brother

...usar sempre o cumprimento reco[A1] , brother

Quantas vezes já cheguei no fim da festa?

Quantas vezes o bagaço do quartel é o que resta

Não me dou por vencido, vejo a luz no fim do túnel

A corrente está serrada,

Não os meus punhos

Vai dizer que você é um perdedor,

Daqueles que quando sua Unidade precisa ‘cê dá no pé?

Vai dizer que você prefere o ódio ao amor?

Então me diz, novinho, qual é?


[A1]Recruta é o elemento que mais faz uso da continência.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

SRE

Eu detestava a idéia de receber, dentre as notas vermelhas, o temido SRE. Sem Rendimento Evidenciado significaria, com todas minhas presenças, nada haver aprendido.

As matérias eram diversificadas. Dentre elas, havia Práticas Integradas do Lar. Pode conferir: está em algum de meus insolentes boletins, que eram apresentados insistentemente ao final de ano aos únicos seres humanos aos quais devia total obediência: meus pais.

Havia também outras duas matérias de ensino obrigatório: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Na época, dava pouca atenção a essas matérias para beneficiar duas potenciais deficiências futuras: matemática e português. Aliás, Comunicação e Expressão.

Apresentar-se sem rendimento evidenciado constituía fato inaceitável. Na condição de militar, meu genitor dificilmente poderia alocar-me às escolas particulares. Em conseqüência, mais de 70 por cento de meu conhecimento advinha de programas do governo. O restante era complementado pelos inúmeros livros e revistas que nos fosse possível comprar. Essa foi a sorte de nossa família, durante a década de 80 e 90.

O tempo não espera por ninguém. Dizem ainda que somos exatamente o que decidimos ser. Observava com curiosidade a aviação e, em dado momento, corroborei com as possibilidades de continuar a contribuição de meu genitor. Tornei-me Especialista em Comunicações. As características de trabalho foram aperfeiçoadas ao longo do tempo, e mesmo não desejando discorrer no assunto, sinto-me compelido a afirmar: da substituição de posições operacionais de telegrafia aos novos sistemas digitais de transmissão de informação, a inteligibilidade humana ainda é insuperável. Acreditando que os setores administrativos e técnicos estatais estivessem sob controle, voluntariei-me a participar de um setor operacional isolado.

Vários anos depois, um acidente. As rotinas de meus companheiros de trabalho modificaram-se acentuadamente, assim como suas situações financeiras e familiares. Identifiquei aumento considerável nos casos de separação conjugal, endividamentos sem soluções, dentre séries de idiossincrasias que tornavam de tal modo complexo o desempenho de nossas funções, que fizeram tímidos os esforços de recuperação da qualidade de vida. Cada indivíduo que hoje participa de atividades associadas à defesa do Estado aguarda soluções de profissionais.

Isso já foi comentado até mesmo em nossas cerimônias de início de expediente. Lembro-me bem da frase, nos seguintes termos:

“-Ok, pessoal, agora estamos procurando os profissionais!”

- Nós também... – lembro-me ter pensado no momento. A idéia de “profissionais” é muito vaga no imaginário de quem não os conhece. Profissional costuma ser alguém que professa sua . Mesmo que no trabalho. Profissional também costuma ser associado à idéia de alguém que realiza sua função com correição e precisão. Além de atender incontinenti determinações de seus chefes.

Também continuo procurando-os. Por enquanto pode-se contar com gente que além de realizar o trabalho profissional – desgastante sacerdócio – ainda acresce sua experiência profissional em diversos setores. Profissionais que além de suas atribuições empregam também conhecimentos das áreas de economia, mecânica, eletrônica, gerenciamento de recursos humanos...

Ou seja: por enquanto, só pode-se contar com o que já possuímos de melhor dentre os profissionais. Só podemos contar com Especialistas.

Um dia, vi-me cercado de pessoas pesquisando melhoria na condição financeira de sua família. Gente de sorte: ainda não haviam perdido as suas. Mas estavam Sem Rendimento Evidenciado em suas finanças. Preocupavam-se. Queriam soluções que permitissem continuar realizando suas tarefas de uma fé que anda em paralelo com sua religião. Fé na missão elevada das Forças Armadas. Não poderia jamais permitir-me, enquanto especialista em comunicações, deixar de ajudar no que fosse necessário a essas e outras incontáveis pessoas.

Tudo o que dispomos é de especialistas, até onde se sabe.

E somos mais do que suficientes.

Rascunho

Os Alterados

Parte I – Anos de Empenho

Era um período de crise. Aquele tipo de crise em que poucos se comunicam com clareza de objetivos. Daí a falta de entendimento...

Os motivos que levam cada um a compor seu papel na vida coletiva contêm muito de nossas idiossincrasias. O da maior parte dos integrantes das escalas diuturnas era claro: dar andamento às suas atribuições, suas atividades rotineiras. A idéia que movia o senso comum era ater-se às atividades. Não era questionado se quaisquer outros setores apresentavam carências ou se atolavam nos processos burocráticos típicos do Estado. Realizavam sua parcela de colaboração – a condução segura de vidas humanas. Quer no serviço de guarda ou nas noites insones de cada pernoite, observava-se com perplexidade a ineficiência do restante do paí[A1] s. Onde passo a incluir-me, cumpríamos nossa parte.

Mas no outro lado do sistema – que correspondia aos setores financeiros, políticos e sociais – as coisas mudavam com grande velocidade. Era fortemente perceptível a diferença entre as gerações da segunda metade do século 20 e a primeira metade do século 21. O brasileiro de antes era muito mais voltado ao coletivo, ao próximo. Num estoicismo digno de paróquias, não há exagero na afirmação de que abdicavam de suas próprias vidas para o bem estar dos outros – não influenciava negativamente na qualidade de vida pessoal. No capitalismo, socialismo, ou qualquer outro sistema de organização político-social ou financeiro que se crie, sempre haverá diferenças de pontos de vista. Contanto, claro, que haja pontos de vista. O do leitor certamente é influenciado por sua condição pessoal, seu papel social. Hoje, quando a visão de mundo é formada pela informação nem sempre completa oferecida por TV, internet e jornais, permanece – e até se acentua – uma imensa massa ignorante. Não é culpa de cada um conforme se apregoa por aí, considerando a difícil tarefa de selecionar tanta informação, de processar a complexa compreensão de como vários setores em nossas vidas particulares se interligam. Difícil convergir interesses de todos. Disse difícil, espera-se que não seja impossível.

O interesse do brasileiro médio é ganhar tempo. Perder o mínimo desse precioso crédito diário para que se usufrua o máximo rendimento possível em suas atividades diárias. Quer para fechar negócios, quer para viajar com seus familiares, não se deseja perder tempo. Mas não se crê que para tal seja interessante ignorar a segurança. Por isso, quando algo tão comum quanto embarcar em qualquer meio de transporte o leve a presenciar cenas de horror – ou perecer nelas – existe a avaliação íntima de risco, custo e benefício.

Vários motivos mantêm pessoas em suas atividades. Alguns trabalham pelo retorno financeiro, outros por reconhecer que há nobreza em sua atividade – esses são mais raros a cada dia. Para esses últimos, ocupar cargo ou função de Estado normalmente traduz o desejo de poder decisório. De tomar para si a responsabilidade de decidir pelo mais lógico ou eficiente desenvolvimento de sua atividade. Principalmente durante e pouco após o período da ditadura militar. Era um período onde ostentar um uniforme proporcionava satisfações variadas. Bons tempos.

Findo o período da ditadura – o que certamente causou desgaste crônico na imagem militar - as seqüelas de ações que em curto prazo pareciam lógicas são sentidas até hoje. Muitos dos que antes eram perseguidos por opinião voltaram pouco a pouco ao cenário político. E cobraram seu preço. Hoje é fácil encontrá-los, integram o próprio governo, federal ou estadual. Gente que antes cogitou a revolução armada aprendeu rápido a galgar urnas e atingir objetivos via voto. Mesmo visando fins essencialmente pessoais. Eleição é um concurso de popularidade.

Mas após 88, passado o bastão político de volta para os civis, as coisas foram mudando gradualmente. Qualquer um que demonstrasse real preocupação com nossas fragilidades na área de segurança causava torcer de nariz generalizado. O senso social era crer que as forças armadas constituíssem um peso financeiro ao Estado. Os cortes financeiros começaram. Agravaram-se durante a era Collor e estenderam aos dias em que dei andamento à necessidade de não deixar de registrar o que pudesse no tocante ao resultado dessas decisões.

E é difícil escrever. O maior dos entraves para tal empreitada é a própria lei. Tanto para militares quanto para civis, há leis que proíbem que se externem assuntos afetos ao trabalho. Entretanto, há de se extrair aprendizado dos fatos. Esse é o foco mais importante, a lição mais valiosa, herança para nossas novas gerações.

Um dos grandes aprendizados é que nas relações de trabalho, principalmente no que tange ao desempenhado por militares, deve haver um intenso comprometimento. Não somente por parte dos trabalhadores de ponta, cuja prova de sua capacidade foi o funcionamento regular durante anos de controle de tráfego, muitas vezes à guisa de investimento apropriado. Ao contrário do propalado pela mídia e autoridades, havia de se manter constante planejamento e empenho em dinamizar e otimizar recursos, em especial recursos humanos. Triste constatar que o interesse de muitos estivesse voltado ao benefício pessoal, relegando inclusive a profissionais terceirizados soluções complexas. O empenho de cada profissional de tráfego aéreo em transpor barreiras administrativas e técnico-operacionais na proteção de nosso objetivo – a segurança de vidas humanas – caracterizava o valor da dedicação pessoal desses homens e mulheres. Em seus variados graus de comprometimento é inegável que o produto de suas próprias vidas, privadas de noites de sono e tempo qualitativo para suas famílias tenha sido uma grande contribuição para a sociedade num todo. Tive a grata satisfação de conhecer grande variedade desses heróis. Verdadeiras autoridades na guerra diária contra a degradação da pequena parcela do Estado que foi depositada em suas mãos. Agentes administrativos militares de grande potencial.

Agentes que decidiam quando era seguro ou não progredir o transporte de pessoas.

Autoridades que decidiam sobre o bem mais precioso em suas telas. A vida de seus semelhantes.


[A1]Redunda à frente

domingo, 20 de setembro de 2009

Nicorete

Assunto 1 – segunda feira

segunda-feira

Hipoglicemia. Hipo: abaixo, glicemia é a taxa de açúcar no organismo. Acho interessante a inspeção de saúde porque costuma ser prova oficial da resistência do organismo. Inclusive do cérebro em esperar.

Fumo à beça. Faço do cigarro o melhor motivo para deixar situações das quais não deseje participar, e vem funcionando muito bem, obrigado! Por incrível que pareça, campanhas anti-fumo e medidas restritivas quanto ambientes fortalecem a iniciativa. E nós, fumantes, agradecemos por podermos ser segregados aos locais ventilados e externos. Fumantes acreditam que não é nada saudável enfurnar-se entre papéis, em qualquer recinto.

É boa saída também para aquelas situações chatas nas quais dois amigos armados – e não fumantes – discutem, por exemplo.

- Vou acender um cigarro.

Cinco a oito minutos depois o cigarro vai para o cinzeiro, um dos amigos vai para o IML, o outro recebe o primeiro cigarro de sua vida de preso e segue seu caminho. Fossem três amigos que morassem juntos, já não haveria problemas em fumar na sala de estar.

O Ministério da Saúde também faz propaganda enganosa. E tenho provas: na carteira de cigarros vem uma estampa entitulada “Fumaça Tóxica”. Logo abaixo, enuncia-se: “O Ministério da Saúde adverte: Respirar a fumaça deste produto causa pneumonia e bronquite. Pare de Fumar. Disque saúde 0800 61 1997”

Só de transcrever deu vontade de fumar longe do computador. Já comprei inúmeros maços e não atingi a afirmação determinada do referido Ministério. Não possuo pneumonia nem o menor traço de bronquite. Minha ex-mulher tinha crises de bronquite. Muito antes de namorarmos, casarmos eu começar a fumar. Comemoro o divórcio fumando menos, ciente de que já há menos motivos para acender um cigarro. Já não há mais tantos eventos ou situações das quais não deseje participar.

Há algo de contraditório nos objetivos de cada envolvido na milenar arte do fumo. De grupos a indivíduos, há pouca coerência. Agem contra seus próprios interesses.

Logro, mesmo, é o número do Disque Saúde. Decerto é o maior motivo para pessoas desistirem de parar de fumar, além do gosto impreciso do nicorete.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Sem Rendimento Evidenciado

SRE

Eu detestava a idéia de receber, dentre as notas vermelhas, o temido SRE. Sem Rendimento Evidenciado significaria, com todas minhas presenças, nada haver aprendido.

As matérias eram diversificadas. Dentre elas, havia Práticas Integradas do Lar. Pode conferir: está em algum de meus insolentes boletins, que eram apresentados insistentemente ao final de ano aos únicos seres humanos aos quais devia total obediência: meus pais.

Havia também outras duas matérias de ensino obrigatório: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Na época, dava pouca atenção a essas matérias para beneficiar duas potenciais deficiências futuras: matemática e português. Aliás, Comunicação e Expressão.

Apresentar-se sem rendimento evidenciado constituía fato inaceitável. Na condição de militar, meu genitor dificilmente poderia alocar-me às escolas particulares. Em conseqüência, mais de 70 por cento de meu conhecimento advinha de programas do governo. O restante era complementado pelos inúmeros livros e revistas que nos fosse possível comprar. Essa foi a sorte de nossa família, durante a década de 80 e 90.

O tempo não espera por ninguém. Dizem ainda que somos exatamente o que decidimos ser. Observava com curiosidade a aviação e, em dado momento, corroborei com as possibilidades de continuar a contribuição de meu genitor. Tornei-me Especialista em Comunicações. As características de trabalho foram aperfeiçoadas ao longo do tempo, e mesmo não desejando discorrer no assunto, sinto-me compelido a afirmar: da substituição de posições operacionais de telegrafia aos novos sistemas digitais de transmissão de informação, a inteligibilidade humana ainda é insuperável. Acreditando que os setores administrativos e técnicos estatais estivessem sob controle, voluntariei-me a participar de um setor operacional isolado.

Vários anos depois, um acidente. As rotinas de meus companheiros de trabalho modificaram-se acentuadamente, assim como suas situações financeiras e familiares. Identifiquei aumento considerável nos casos de separação conjugal, endividamentos sem soluções, dentre séries de idiossincrasias que tornavam de tal modo complexo o desempenho de nossas funções, que fizeram tímidos os esforços de recuperação da qualidade de vida. Cada indivíduo que hoje participa de atividades associadas à defesa do Estado aguarda soluções de profissionais.

Isso já foi comentado até mesmo em nossas cerimônias de início de expediente. Lembro-me bem da frase, nos seguintes termos:

“-Ok, pessoal, agora estamos procurando os profissionais!”

- Nós também... – lembro-me ter pensado no momento. A idéia de “profissionais” é muito vaga no imaginário de quem não os conhece. Profissional costuma ser alguém que professa sua . Mesmo que no trabalho. Profissional também costuma ser associado à idéia de alguém que realiza sua função com correição e precisão. Além de atender incontinenti determinações de seus chefes.

Também continuo procurando-os. Por enquanto pode-se contar com gente que além de realizar o trabalho profissional – desgastante sacerdócio – ainda acresce sua experiência profissional em diversos setores. Profissionais que além de suas atribuições empregam também conhecimentos das áreas de economia, mecânica, eletrônica, gerenciamento de recursos humanos...

Ou seja: por enquanto, só pode-se contar com o que já possuímos de melhor dentre os profissionais. Só podemos contar com Especialistas.

Um dia, vi-me cercado de pessoas pesquisando melhoria na condição financeira de sua família. Gente de sorte: ainda não haviam perdido as suas. Mas estavam Sem Rendimento Evidenciado em suas finanças. Preocupavam-se. Queriam soluções que permitissem continuar realizando suas tarefas de uma fé que anda em paralelo com sua religião. Fé na missão elevada das Forças Armadas. Não poderia jamais permitir-me, enquanto especialista em comunicações, deixar de ajudar no que fosse necessário a essas e outras incontáveis pessoas.

Tudo o que dispomos é de especialistas, até onde se sabe.

E somos mais do que suficientes.

Hakän Hedberg

Louis Heron escreveu no “The Time” uma série de artigos, em fins de 1968 e princípios de 1969, sobre o segredo em que trabalha o Governo Britânico, independentemente de nele estarem sentados os trabalhistas ou os conservadores: “A escuridão contraria o esforço produtivo, separa o governo do povo e fortalece a perigosa concepção ‘nós e eles’. Desconfio, também, de que o sigilo governamental tanto serve para esconder como é a causa de muitas decisões erradas. O segredo não mantém apenas os repórteres curiosos à distância. Ficam de fora também muitas informações, idéias e experiências. A tomada de decisões tornou-se uma função restrita, dependente – e muito – de informações públicas, de conselhos e pontos e vista públicos.

O sentimento de “nós e eles” existe. Claro, em todos os países, na Inglaterra, na Suécia – e no Japão. A diferença está em que o japonês toma conhecimento, mais depressa e com maiores detalhes, de como “eles” decidem e agem, enquanto os ocidentais têm de ficar à espera que qualquer jornalista mais afortunado se “infiltre” e volte com as revelações.

A POLÍTICA DE DIVULGAÇÃO DO BANCO CENTRAL

Os chefes dos bancos centrais do Ocidente são, por tradição muito reservados. Acham que só devem falar livremente a portas fechadas, com as reservas em ouro no cofre-forte. Ou, talvez com o Ministro da Fazenda e com o conselho de administração do próprio Banco Central. Entrevista coletiva, possivelmente uma vez por ano no momento mais agudo de uma crise. Mas só a idéia o horroriza: uma pequena confusão semântica, um pigarro no momento errado, e lá cai todo o sistema monetário mundial como um castelo de cartas. É por isso que o homem da rua não sabe se FMI é um sistema tático de futebol ou termo técnico de basquete. No Japão, ao contrário, o chefe do Banco Central dá uma entrevista coletiva uma vez por semana, fala abertamente sobre a política de juros no Japão e no mundo, sobre problemas de câmbio e sobre direitos de saque. Quando o chefe do Banco Central se zanga com o Ministro da Fazenda, não discute o problema apenas em particular – convoca os jornalistas e diz de sua justiça. Se a zanga é com os bancos comerciais – como aconteceu, por exemplo, em junho de 1969, quando os bancos elevaram seus empréstimos acima de 60 por cento – todos os esclarecimentos são dados por ele ao público em geral e ao comércio e à indústria em particular, via imprensa. Se regressa de uma reunião crítica realizada na Europa, é recebido no aeroporto por uma legião de várias dezenas de repórteres a quem tenta explicar, tão aberta e pedagogicamente quanto possível, tudo o que aconteceu e o que pode acontecer. É assim que o chefe do Banco Central do Japão tem agido, anos e anos, sem que o sistema monetário mundial se tenha desfeito em pedaços. Conseqüências: o japonês está mais bem informado.

DOS MINISTÉRIOS

Todos os ministérios recebem uma cobertura intensiva, todos os dias, a todas as horas, por parte de no mínimo cinqüenta jornalistas. Quase todos os papéis, incluindo simples anotações ou estimativas preliminares, e quase todas as idéias são consideradas como de interesse público. A tinta mal chega a secar, já o documento ou a anotação passam aos jornalistas. Além disso, todos os anos cada um dos ministérios publica um “livro branco” que chega às mãos dos jornalistas antes dos restantes membros do governo tomarem conhecimento de seu conteúdo. Esses “livros brancos” normalmente são publicados nos jornais da manhã do dia em que o Gabinete se reúne para, oficialmente, aprovar as considerações do ministério em causa. Se qualquer funcionário japonês tentasse copiar a “técnica obscurantista” usada, às vezes, pelos colegas ocidentais – “sob inquérito” ou “debate interno”, “correspondência interna” – talvez não demorasse um minuto e já ele voaria, direto do sétimo andar para a rua. Isto não quer dizer que o jornalista japonês seja especialmente violento na sua maneira de atuar ou menos instruído. Ao contrário, no Japão, 99 por cento dos jornalistas tem curso universitário, em flagrante contraste com o que acontece até nos países de melhor nível educacional no Ocidente. Na realidade, existem mãos fortes no esquema burocrático que dirige o Japão, mas os jornalistas japoneses são ainda mais duros e persistentes na procura das informações: na prática, não há nem uma única gaveta sacrossanta em todos os ministérios em Tóquio.

“Tudo acaba por se saber. Além do mais, os trens correm cheios, com três vezes a capacidade normal, de modo que há ouvidos por toda parte.”, - diz-nos a rir um funcionário do Ministério da Fazenda. Ele gosta do sistema: todas as manhãs, no jornal, pode ler o que aconteceu nos outros ministérios – e no seu próprio ministério! – no dia anterior. É que cada um dos ministérios é uma espécie de formigueiro: só o Ministério da Indústria tem cerca de 15.000 funcionários que se sentam quase uns em cima dos outros.

DAS EMPRESAS

No Ocidente, se uma empresa confessa qual é a sua participação no mercado consumidor, sua atitude repercute como uma bomba.

No Japão, todas as empresas confessam continuamente qual é sua participação no mercado. Em certos casos, como no setor de cosméticos, as estatísticas são suspeitas, mas da única coisa que se pode duvidar é do esquema de amostragem. Porque a boa vontade em dizer qual é, exatamente, a sua participação no mercado, essa, nunca falta. Claro que a distribuição parcelada do mercado e as suas modificações são publicadas na imprensa e assim, levadas ao conhecimento de todo o comércio, da indústria e da comunidade em geral. As informações assim obtidas dão margem para considerações mais justas e decisões mais certas.

No Ocidente muitas vezes acontece o mercado interno pertencer exclusivamente a três empresas. Cada uma das quais sabe exatamente qual é a participação no mercado das outras duas, assim como conhece todas as alterações nessa distribuição. No entanto, se algum jornalista especializado em economia pergunta ao diretor de uma delas qual a parcela que domina, em 100 casos, 99 respostas serão do tipo: “Isso nós não podemos revelar, por causa da concorrência!” Eis um caso típico: - Em princípios de 1969, chegou ao Japão o representante de uma empresa sueca, muito bem sucedida no mercado japonês. Telefonei, pedi uma entrevista. “Venha, por favor, ao meu hotel”, respondeu. Quando o encontrei, compreendi que meu interlocutor estava quarenta anos atrasado em relação ao seu tempo. Não queria contar a quanto montavam as vendas de sua empresa no Japão e quando lhe perguntei qual era a proporção do mercado que a empresa detinha, foi como se tivesse enfiado nele uma faca. Nada poderia dizer antes de consultar o diretor executivo. “Mas nós somos os maiores fornecedores do mercado!” “Isso, em alguns casos, pode significar apenas cinco por cento” – respondi eu – “Qual a percentagem?” não quis responder, porque era apenas diretor de mercado. Essa foi sua justificativa final.

Já passou o tempo, acho, em que os redatores econômicos se contentavam com o fraseado diplomático do tipo “Foi um aumento razoável”. Que a participação da citada empresa no mercado japonês era de 40 por cento eu já sabia há muito tempo, antes de me apresentar para a dita entrevista. E a dos concorrentes, também. Caso interessem, tais informações são fáceis de conseguir em meia hora, no Japão. E claro que os japoneses riem na cara de tais “obscurantistas” reacionários, vindos do Ocidente.

DAS LIGAÇÕES COM EMPRESAS ESTRANGEIRAS

Nada de “obscurantismo”, todos os detalhes em cima da mesa. Eis outro exemplo típico: - quando a empresa sueca AB Mecman entrou no Japão, em novembro de 1968, veio uma notícia muito vaga na imprensa sueca dizendo que, em conjunto com uma firma japonesa, tinha-se criado uma nova “empresa para serviço e colocação no mercado japonês dos produtos Mecman”. O associado japonês deu ao Nikkan Kogyo, jornal da indústria japonesa, uma informação muito mais exata: capital em ações, distribuição das ações uma estimativa para os cinco primeiros anos da empresa, a proporção da Mecman no mercado sueco e, além disso, revelava-se que os japoneses tinham inclusive adquirido o direito de exportar os produtos Mecman fabricados no Japão. Por que é que as classes produtoras do Japão recebem informações mais pormenorizadas do que as da Suécia? Porque é que não foi revelado o direito da nova empresa à exportação? Infelizmente, é esta a regra: por cada negócio nipo-ocidental que se fecha, as classes produtoras no Japão aumentam seus conhecimentos; as do Ocidente permanecem a zero.

Para os redatores econômicos do Ocidente é como se fosse para tirar um dente de cada vez que fazem uma pergunta importante. Para os japoneses, é como se tivessem de desempenhar o papel de parteiras: fazem uma pergunta, esperam gêmeos e vêm quíntuplos. O problema é mais de escapar ao volume de informações do que pressionar para saírem dados.

...

Nenhuma pessoa, nenhuma empresa é uma ilha. E na ilha chamada Japão, diante de milhares de observadores estrangeiros, os homens que construíram o milagre tomaram conscientemente o caminho da informação máxima. Todos ganham, ninguém perde. Numa comunidade rica em informações, as diretrizes são definidas com mais base, com mais bom-senso, do que nas comunidades pobres em informações. Esta é uma política que, até agora, tem dado ótimos resultados e que, a cada ano que passa, oferece dividendos cada vez mais elevados. Entrementes, no Ocidente, tanto os diretores como os funcionários, cada vez mais distantes uns dos outros e do público, continuam tateando na obscuridade.

A obtenção de informações e sua análise está facilitada, mais ainda, pela existência de uma série de meios de comunicação, e em especial os jornais, com melhores condições de transmitir esses dados que seus colegas em qualquer outro país.

A COMUNIDADE CAOLHA

Ao mesmo tempo que se tornava campeã mundial em aumentode exportações, o Japão transformou-se também – com o maior desplante – em campeão mundial do protecionismo.

Desde a conferência da GATT, em Tóquio de 1959, que os governos ocidentais, incluindo os dos países em desenvolvimento, têm escutado promessas japonesas, umas a seguir das outras. Todos esses compromissos foram esquecidos, ao mesmo tempo em que o Japão avançava na lista das principais nações exportadoras do mundo, passando do nono lugar em 1959 para quinto, em 1968.

O ritmo de aumento das exportações japonesas acelerou-se, a uma média anual de 14 por cento entre 1958 e 1963 e de 20 por cento entre 1963 e 1968. O ritmo de aumento das importações, porém, foi refreado de 19 para 13 por cento.

O ritmo de promessas japonesas também se acelerou, mas são compromissos a que falta cobertura. Em princípios de 1964, o Japão filiou-se tanto ao FMI como à OCDE, comprometendo-se daí a não usar mais a balança de pagamentos como motivo para impor restrições à importação e a dar aos outros membros da OCDE o direito de se estabelecerem no Japão, em regime de reciprocidade. Em 1964, o Japão tinha um saldo positivo na sua balança de comércio equivalente a meio bilhão de dólares. Em 1968, o saldo era cinco vezes maior, mas a “cortina de ferro” que o Japão opôs à concorrência estrangeira, no mercado interno, continuava tão impenetrável em fins de 1969 como em 1964, altura em que, perante os dois mil delegados à reunião do FMI, os japoneses prometeram uma “nova era”.

Enquanto o milagre alemão – e o saldo exportador da Alemanha Ocidental – se desenvolveram à medida que aos países importadores se dava uma oportunidade de concorrer no mercado alemão, o milagre japonês teve o privilégio de crescer dentro de uma estufa protecionista. Em todos os setores industriais, começou-se por estabelecer uma quota de importação reduzidíssima de tal modo que a concorrência estrangeira só podia ser mínima. Depois, formalmente “liberalizou-se” a importação, mas os direitos alfandegários eram tão elevados que a presença estrangeira continuou sendo mínima.


Onde estava o Brasil durante esse processo fenomenal de crescimento?