SRE
Eu detestava a idéia de receber, dentre as notas vermelhas, o temido SRE. Sem Rendimento Evidenciado significaria, com todas minhas presenças, nada haver aprendido.
As matérias eram diversificadas. Dentre elas, havia Práticas Integradas do Lar. Pode conferir: está em algum de meus insolentes boletins, que eram apresentados insistentemente ao final de ano aos únicos seres humanos aos quais devia total obediência: meus pais.
Havia também outras duas matérias de ensino obrigatório: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Na época, dava pouca atenção a essas matérias para beneficiar duas potenciais deficiências futuras: matemática e português. Aliás, Comunicação e Expressão.
Apresentar-se sem rendimento evidenciado constituía fato inaceitável. Na condição de militar, meu genitor dificilmente poderia alocar-me às escolas particulares. Em conseqüência, mais de 70 por cento de meu conhecimento advinha de programas do governo. O restante era complementado pelos inúmeros livros e revistas que nos fosse possível comprar. Essa foi a sorte de nossa família, durante a década de 80 e 90.
O tempo não espera por ninguém. Dizem ainda que somos exatamente o que decidimos ser. Observava com curiosidade a aviação e, em dado momento, corroborei com as possibilidades de continuar a contribuição de meu genitor. Tornei-me Especialista em Comunicações. As características de trabalho foram aperfeiçoadas ao longo do tempo, e mesmo não desejando discorrer no assunto, sinto-me compelido a afirmar: da substituição de posições operacionais de telegrafia aos novos sistemas digitais de transmissão de informação, a inteligibilidade humana ainda é insuperável. Acreditando que os setores administrativos e técnicos estatais estivessem sob controle, voluntariei-me a participar de um setor operacional isolado.
Vários anos depois, um acidente. As rotinas de meus companheiros de trabalho modificaram-se acentuadamente, assim como suas situações financeiras e familiares. Identifiquei aumento considerável nos casos de separação conjugal, endividamentos sem soluções, dentre séries de idiossincrasias que tornavam de tal modo complexo o desempenho de nossas funções, que fizeram tímidos os esforços de recuperação da qualidade de vida. Cada indivíduo que hoje participa de atividades associadas à defesa do Estado aguarda soluções de profissionais.
Isso já foi comentado até mesmo em nossas cerimônias de início de expediente. Lembro-me bem da frase, nos seguintes termos:
“-Ok, pessoal, agora estamos procurando os profissionais!”
- Nós também... – lembro-me ter pensado no momento. A idéia de “profissionais” é muito vaga no imaginário de quem não os conhece. Profissional costuma ser alguém que professa sua fé. Mesmo que no trabalho. Profissional também costuma ser associado à idéia de alguém que realiza sua função com correição e precisão. Além de atender incontinenti determinações de seus chefes.
Também continuo procurando-os. Por enquanto pode-se contar com gente que além de realizar o trabalho profissional – desgastante sacerdócio – ainda acresce sua experiência profissional em diversos setores. Profissionais que além de suas atribuições empregam também conhecimentos das áreas de economia, mecânica, eletrônica, gerenciamento de recursos humanos...
Ou seja: por enquanto, só pode-se contar com o que já possuímos de melhor dentre os profissionais. Só podemos contar com Especialistas.
Um dia, vi-me cercado de pessoas pesquisando melhoria na condição financeira de sua família. Gente de sorte: ainda não haviam perdido as suas. Mas estavam Sem Rendimento Evidenciado em suas finanças. Preocupavam-se. Queriam soluções que permitissem continuar realizando suas tarefas de uma fé que anda em paralelo com sua religião. Fé na missão elevada das Forças Armadas. Não poderia jamais permitir-me, enquanto especialista em comunicações, deixar de ajudar no que fosse necessário a essas e outras incontáveis pessoas.
Tudo o que dispomos é de especialistas, até onde se sabe.
E somos mais do que suficientes.
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