domingo, 25 de abril de 2010

Domingo

Domingo é um dia de reflexão diferente. É o dia em que qualquer brasileiro se prepara para a segunda-feira. Gosto de contemplar o andamento de nossos esforços e planejar como será a semana. Esse momento de reflexão que se renova cada semana torna os homens mais diligentes mais laboriosos, uma situação que o chinês Lin Yutang recomenda para a mais completa ociosidade.
Sem telefone funcional a tocar, colegas de interesses comuns a aborrecer com o resultado do futebol, o “pensar” é muito mais sereno. Em especial quando ninguém exige sua atenção, o que naturalmente consiste no inferno de um homem casado.
O homem solteiro tem muito mais tempo que o homem casado para ser eficiente. Seu tempo não é dividido em dois – ou três, quatro, cinco – pontos de atenção diferentes. Diria que é recomendável aos solteiros desenvolver aptidões e capacidades relevantes para seu cotidiano futuro. A vida adulta exige graus de aptidões a cada geração de conhecimentos diversos e de nível elevado.
Domingo muitas vezes é o dia que a gente lembra o quanto o homem casado precisa de tempo para si. O solteiro o tem em excesso, a ponto de não reconhecer seu desperdício em diversão de baixa qualidade como algo de se ter vergonha. Ir a um bom barzinho é um bom objetivo para um dia de domingo tanto para casados quanto para solteiros. A ressaca é que costuma ser diferente para cada um.
Sinto-me muitas vezes um solteiro especializado em parecer casado. Negando-me a tentar enganar as mulheres sobre o que não sou, muitas vezes percebo-me sabotando possibilidades de êxito sexual sendo chato. Justifico-me no seguinte:
Algum idiota dedurou a estatística que diz que mulheres têm necessidade compulsiva de falar pelo menos oito mil palavras por dia. É uma necessidade de comunicação que um homem que assuma profissões importantes tem dificuldades em cumprir.
Como toda profissão alimenta seus filhos e sua própria vida adulta, toda profissão é importante. Muitas são críticas, exigem um comprometimento maior que o convencional. O fato é que nem todo marido pode disponibilizar tempo para atender os caprichos de sua cara-metade. E isso é um inferno.
Já o problema do solteiro é quem ele vai “escalar” para o domingo.
Os solteiros mais perigosos são os que estabelecem estratégias para assegurar seu tempo livre. O tempo livre permite avaliar problemas e gerar pessoalmente as soluções. O solteiro pode passar o dia inteiro pensando estratégias diversas para começar uma segunda-feira botando pra foder.
A pior coisa que um homem casado pode fazer é um problema com um solteiro. Sua margem de concentração está comprometida com sua família. Seu eventual mau-humor não pode estragar as fotos dos eventos familiares. Do homem casado diligente, mal sobra disposição para as compras.
O solteiro faz o que mantém o homem ativo. Mesmo fumantes veteranos que têm alma de solteiro fazem o impensável com bicicletas, andam de moto no cascalho solto, arriscam-se a reconhecer os limites de maneabilidade de quaisquer de seus veículos. Tornam-se especialistas em deslocamento ligeiro em condições adversas. Para isso, desafiam sua própria capacidade.
O casado evita a todo custo entrar ou estar na frente de um solteiro. Todo solteiro perigoso é um bom candidato a homem bomba.
Qualquer homem que possua família deve saber reconhecer a coragem do homem casado que se permite voltar a ser solteiro. Abrir mão de tudo o que importa é algo para o qual ninguém nasceu. É necessário muito desprendimento para não se deixar levar pela fúria de perder a convivência dos seus para continuar cumprindo responsabilidades.
Isso faz qualquer cabra macho querer comer o fígado de qualquer filho da puta que lhe pareça conveniente. Felizmente, quando o homem se separa, aparece um monte deles. É só escolher alguns para imolar em sacrifício ao seu oráculo preferido. Militarmente, o meu é o regulamento.
Aprendi a trabalhar ou até torcer todos os regulamentos. Inclusive de trânsito.
Domingo é dia que o trânsito está fervilhando. Dia que as pessoas costumam sair em suas velocidades próprias. Vario constantemente a velocidade na qual dirijo. Hoje foi dia de andar à paisana, ou seja: devagar. Sem chamar atenção, chamo intimamente direção velada. Aquela que o cara sai para sentir a cidade, sacar os acontecimentos.
Avenida de acesso, barzinho na esquina. À direita da pista de rolamento um estacionamento de espaço exíguo. Motoristas dando marcha à ré bêbados. Vira B.O. ou papo de MSN. Passei ao largo.
Solteiro recém-reabilitado, registrei as bundas das peguetes. Tudo cachorra. Playboys, barões da pesada e solteiros com algum dinheiro passando o cerol na geral, catando as mais saidinhas para o motel escondido atrás do posto. Metem geral, até em mulher de malandro. Caixão e vela preta. Os playboys do centro da cidade muitas vezes invejam a liberdade dos fodidos da periferia, que têm muito mais diversidade em opções de mulher. Não falta cachorra nas periferias.
Continuei dirigindo. Aprendi que quando ingresso nesses ambientes, perco tempo considerável e dinheiro. As mulheres desses ambientes têm manias diversas, fogem ao controle facilmente. Para ser vista comigo, mulher tem que ser confiável e de fidelidade espartana.
Enquanto dirigia, pensava na segunda-feira. Diversos assuntos pendentes. Constato constantemente a necessidade de tomar medidas indesejáveis. Uma delas é fazer o reconhecimento IFF. Identification Friend or Foe. Plotar os oponentes.
Começa-se pelos casados. São presa fácil. Há um deles que interfere de modo negativo na vida de outros casados. Tá fodido comigo. Há anos venho me decepcionando com seu comportamento. Estou de olho há tempos.
Esta semana poderá ser memorável.
Próximo domingo poderá ser glorioso.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sigma

"Seu" Kanitz tinha razão. Dizia:

"Sempre haverá pessoas malucas no mundo. E para cada 1.000 pessoas malucas haverá uma pessoa supermaluca, um "6 Sigma"*. E entre cada 1.000 dessas haverá uma mais maluca ainda, gente a quem vou chamar de "7 Sigma". Pessoas inteligentíssimas e competentes, mas que estão longe do padrão normal.

Na Idade Média, um desses malucos, de mal com a vida e o mundo, poderia sair matando uns vinte inocentes no mercado principal, até que os cavaleiros do rei lhe cortassem a cabeça. Nos anos 80, um terrorista matava 200 com uma bomba numa estação de trem.

Hoje, graças ao avanço da tecnologia, um maluco pode seqüestrar um avião e matar 2.000 pessoas. Daqui a alguns anos, correremos o enorme risco de um "7 Sigma" modificar um vírus da gripe e misturá-lo com o vírus da Aids, e então veremos 80% da população mundial e brasileira ser dizimada, se não percebermos esse novo problema que nos assola. A luta contra esse terror não é exclusivamente americana, como muitos estão comodamente achando. Um vírus aéreo da Aids lançado em Nova York em dois meses estaria sendo respirado em Brasília.

Como identificar um "7 Sigma" antes que ele faça um estrago grave é um problema sério que o mundo poderá enfrentar nos próximos cinqüenta anos. É um problema policial-sociológico-jurídico-político absolutamente novo e exigirá soluções muito ipopulares.

Por exemplo, como identificar essa gente maluca com nossos valores de privacidade, sigilo e liberdade? Como identificar os "7 Sigma" sem impor um Estado policial, numa cultura que abomina o "dedo-duro"? Como prendê-los sem muitas provas de suas malucas futuras intenções? Como condená-los à prisão se ainda não cometeram o monstruoso crime?

Depois do 11 de setembro, esse perigo ficou mais claro para o mundo, mas o governo americano mudou de enfoque e demarcou países como o Iraque e a Coréia como perigosos, e não os futuros "7 Sigma" espalhados por aí. Em minha modesta opinião, isso é um erro. Saddam e seus filhos queriam poder e dinheiro. Quem quer dinheiro e poder avalia seus limites. Bin Laden e seus suicidas queriam vingança, e isso sim é um perigo assustador. Vingança a qualquer preço, para si e para os outros, e quem está disposto ao suicídio já ultrapassou qualquer limite de razoabilidade.

Como também queria vingança o criador do vírus Sobig.F, que chegou a contaminar um em cada dezesseis e-mails, e preparava um enorme ataque ao site da Microsoft, destruindo e-mails de médicos a seus pacientes, pedidos de remédios e chats de apoio psicológico, entre outras coisas.

Um segundo erro da doutrina Bush é que ela quer implantar democracias liberais no resto do mundo como solução. Mas democracias liberais são justamente aquelas que não acreditam em um Estado que controle a população, e sim numa população que controle um Estado. Justamente o contrário do que precisamos para proteger a nação de um "7 Sigma".

Os Estados Unidos já implantaram redes neurais que supervisionam movimentos de pessoas, de cheques e sinais estranhos na população. Mas quem vai supervisionar o mundo? Os americanos, a ONU, cada país por si ou a polícia montada canadense? É uma bela encrenca a ser resolvida.

No fundo, o que ocorre é que o mundo está avançando em termos de tecnologia muito mais rapidamente do que em termos de psicologia, sociologia e política. Um único indivíduo instruído com um bom laboratório nos fins de semana tem acesso a tecnologia de destruição capaz de dizimar o mundo. Talvez o risco dos "7 Sigma" não seja tão grande quanto estou supondo, e vão me criticar por alarmismo. Eu também prefiro achar que não vai acontecer nada, mas e se der zebra e não estivermos preparados?

Vão dizer que o ser humano no fundo é bonzinho e não faria mal a ninguém. Esquecem que todo dia hospitais, indústrias de remédios, médicos e dentistas perdem arquivos valiosos por causa de 7.000 vírus que andam rodando por aí, plantados no sistema por alguém, sem alvo definido, sem medir conseqüências. Eu sinceramente preferiria discutir um pouco mais essa questão em vez de ignorá-la como estamos fazendo.

* Sigma é uma medida estatística de desvio da normalidade. Quanto mais Sigma, mais anormal. Estima-se que existam mais de 650.000 pessoas "6 Sigma" no mundo e 1.650 pessoas "7 Sigma". O drama é que não se sabe quem são."

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)

Revista Veja, Editora Abril, edição 1820, ano 36, nº 37 de 17 de setembro de 2003, página 22

terça-feira, 13 de abril de 2010

Cirque du Ralé

Circo da ralé, ou circo do rala, tanto faz. O tempo parece fluir diferente quando se trabalha com aviação. A gente rala com horários mais críticos que o restante da administração aeronáutica, fica acelerado porque está condicionado a trabalhar inclusive à noite. E essa mosquinha certamente morde todos os integrantes de minha unidade. A questão é a de sempre: alguém tem que perder o sono para que os outros durmam bem. E há quem o faça com relativa abnegação. Busco ser um deles, mas admito muitas vezes ser pessoalmente inútil fazê-lo.

Vejo muitos outros exemplos de desprendimento que mostram muito valor prático, demonstram como é importante a coisa certa na responsabilidade do indivíduo certo – preparado. Vejo pessoas que processam quantidades descomunais de documentos, principalmente nas seções de pessoal. Essas pessoas merecem que o produto de seu trabalho seja referenciado. Gostando ou não do que fazem, realizam-no mesmo sob resignação. Cada um cumpre a missão que lhe é confiada.

Ou não.

Na falta de missões, estabeleça as suas se for o caso. Dirijo-me em especial às pessoas que pretendem ou percebem permanecer até a oportunidade de passar a responsabilidade para os mais jovens e finalmente se aposentar.

Decidi trabalhar pela manutenção do ambiente. Tornar mais fácil a vida de todo mundo. Minhas mais desvairadas atitudes têm por objetivo dar o exemplo, mesmo o exemplo do que acontece quando você erra.

Sim. Nós todos erramos e eu também. A diferença é que muitas vezes sou voluntário para fazê-lo e confirmar ou não o esperado.

O macete é saber justificar meus erros. O papo de explica, mas não justifica aceita quem quer. Já aceitei porque acho estupidez discutir com doido. Só doido para punir um doido, certo?

Só um doido para não considerar as condições de trânsito de quem mora longe, e entrega pilhas de papel em seções diversas. Nunca entendi muito bem porque discriminamos naturalmente quem usa cabelo “reco”. Recruta é o servidor mais digno das forças. É quem sem entender nada continua doando a melhor fase de sua vida por seu país. Só um doido para não reconhecer esse fato. Já conheci alguns.

Queria deixar claro que sou do bem. Não tenho o hábito de desejar mal para ninguém, a não ser que esteja extrapolando. Muitas vezes tenho mais apreço pelas pessoas do que elas mesmas têm por si. Busco potencial mesmo nas pessoas ditas insuportáveis. Isso aplaca minha fúria ou desgosto com o desenvolver pífio e dificultoso de nossas atividades diárias.

Aqui cheguei não por voluntariar-me, sim por ter sido escalado. Cap.-Inf.-Aer. Paixão decretou meu voluntariado. De 1993 até aqui servi sem precisar de nenhum motivo para permanecer. Estou condicionado.

Mas, já que estou aqui, estou escrevendo esse artigo para meus companheiros. Do soldado mais moderno da guarda até o comandante da Força. E pretendo distribuí-lo pessoalmente. Tenho curso de estafeta.

“...o que pode ser feito no papel.” – foram as ordens. Pois bem:

É necessário revitalizar a dinâmica de processamento administrativo da maior parte das unidades. Para fazê-lo, seria necessário adequar o número de pessoas que o processam, ou reduzir o montante de documentos necessários a cada ato administrativo.

Só posso tomar por exemplo o Cindacta1. Foi o único lugar onde trabalhei.

Faço minhas experiências.

Versa a experiência muito particular, registrada do modo mais lúdico possível.
É difícil concatenar numa história única o aprendizado geral de voluntário. Voluntário, em sua extensa abrangência, relaciona desde a cruz vermelha até o serviço militar em entendimento cívico próprio.
Mas que não se deixe enganar. Mencionado o civismo, faça-se com a autoridade de bom ouvinte das aulas de OSPB. Organização Social e Política Brasileira não é mais matéria ministrada – explica-se o hiato contemporâneo, o constante insucesso de todo um país na erradicação de nossas pequenas incompatibilidades sociais.
E como aborrece. Na rua, o que tem de “autoridade” não está no gibi. Alguns confundem um pouco seu campo de ação. Curioso como no Brasil, o fiscal do IBAMA pode mandar para a jaula qualquer cidadão que decida aproveitar um tatu atropelado acidentalmente. Farofa dá cadeia. E com a mesma facilidade com que um policial urbano enquadra, sugere propina o que – num evidente eufemismo – chamo de “condicionamento pecuniário-discricionário”. Corrupção.
Situação estranha, a do fiscal do IBAMA. Por mais que haja tocaia na mata, o comércio de passarinhos prossegue. Um bote errado, e o incauto fiscal pode invadir a casa de um meliante. Caso a verdadeira polícia apareça pouco após a invasão de propriedade, é melhor haver pelo menos um passarinho na bendita casa.
Ou o fiscal do IBAMA vai para a jaula. Escoltado pelo colega – o policial de verdade.
É corrente que para cada poder reconhecido, o ser humano proporciona leis que o regulem. Talvez se trate do senso comum, para o qual pouco importe o poder, se não há controle.
Seara e linguajar muito próprio e íntimo a aeronavegantes. Num esforço de subida, mesmo manete à frente, inclinação excessiva resulta em stol. Esse “balance” entre empuxo e atitude da aeronave expressa a característica de vôo de cada piloto. Em tempos de boa remessa de material, pilotos comerciais deixam de contabilizar seus pousos duros, resultando em desgaste notório. Nos dias de penumbra financeira das empresas, as listas de “comedores de pneu” correm frouxas nas estatísticas da companhia. O RH entra em ação com a conseqüente renovação de quadro.
Acontece em qualquer empresa, bobagem negá-lo no Estado brasileiro. Antes se tratasse de exagero literário! O valor contributivo de cada posição de trabalho, na estrutura do Estado, tem significados diferentes entre os próprios membros da sociedade. Somos, em divina essência, uma grande mistura de culturas muito próprias que formam a nacionalidade do Brasileiro.
Divertido pensar como aprendi nos livros de OSPB. Aprende-se, por exemplo, que o Serviço Militar Obrigatório não é uma obrigação, mas um privilégio. O privilégio de defender pessoalmente o território de seu próprio povo. Pensassem todos de modo único – integrado – teríamos uma realidade. Muitas culturas pagariam pelo benefício de operar pessoalmente os caças de sua nação. Isso dá materializa a essência do voluntariado. Voar de graça.
Observar a forma como cada país defende seus cidadãos das mazelas locais costuma ser útil. Conhecer o espírito de corpo e seu efeito agregador nos permite lançar realização à sóbria e civilizada tranqüilidade, o espírito combatente permanece. Quase sempre latente.
Medir o valor do esforço ou dedicação de cada integrante do Estado no interesse de atender sua sociedade muitas vezes é inconclusivo. Mesmo opiniões profissionais costumam mudar, de tempos em tempos. É a adaptação natural à situação, em que o novo costume predomina sobre o velho. Crê-se que a idéia se contraponha daí ao conceito de antiguidade. Na relação castrense há um bloqueio natural de comunicação. Chamo essa característica “comunicação de trânsito condicionado”.
Atualmente na graduação de 2º Sargento, não vislumbro competência regulamentar para alguns assuntos. No momento em que escrevo o presente artigo, observo o descampado contíguo ao radar TRS2230. De minha janela busco observar com alguma atenção o tráfego indesejável nos arredores do que, em tempos mais brandos, era denominado DPV-DT GA. Todo farol cruzando o cerrado detém naturalmente minha atenção. Não há motocicletas no patrimônio da Unidade, logo não se trata da equipe de serviço.
A Polícia Militar do Distrito Federal tem motocicletas. As pesadas e desajeitadas Falcon 400, que dificilmente apresentam o desempenho observado. Além disso, não compete à mesma o policiamento de zona militar. E ponto final.
Alguns de meus conhecidos andam de moto. Conheço-os um a um, à intimidade necessária para reconhecer sua tocada noturna. A forma muito pessoal como conduzem seus veículos utilizando o máximo do desempenho comum. Mesmo utilizando trilhas e estradas de terra, dominam como ninguém o asfalto. Sabem, também, que não devem andar naquele setor. Sabem que o condicionamento à mentalidade de segurança faz com que, mesmo não estando em serviço, surjam imprecações de alguns desajeitados graduados.
Logo, quem ousa adentrar terreno de unidade contígua a vilas militares concorre e submete-se a uma série de inconvenientes. É possível que seja pego não pela equipe de serviço formal, mas por qualquer um que se disponha a persegui-lo com pertinácia e desempenho. Gente que não se incomoda em agir como se em serviço estivesse, e fundamentasse suas ações conscientemente no regulamento militar ou seu credo pessoal, não importa. Nessas horas, vale até religião para conter a guerra – ou ganhá-la de imediato. Ato que se espera de qualquer indivíduo disposto a transpor as limitações legais e tenha a ação imediata desejável de qualquer sentinela.
Qualquer voluntário. Basta iniciativa.
Essa idéia não contempla entretanto o processo orgânico corriqueiro, de comunicação funcional. Quando observo motocicletas perambulando às voltas de uma Organização Militar pouco posso fazer. Uma “Parte administrativa” de meu rank dificilmente avançaria ao conhecimento de outros grandes interessados: as cadeias de comando superiores. O avanço da informação fica condicionado à conveniência de sua cadeia de comando, a saber, qualquer superior hierárquico.
Se o superior não participar do mesmo ponto de vista, acabou-se a informação e o presente artigo.
Mas se a comunicação for desenvolvida de modo sistêmico, grandes resultados no objetivo comum são geralmente obtidos, aumentando a segurança de unidades contíguas à população civil.
Na prática, sem a devida organização não enseja qualquer esforço para tal. Veredas legais desestimulam a iniciativa. Há assuntos prioritários, em diversos setores. Substituição de armamentos defasados, treinamento contínuo e extensivo à camada baixa da população, alimentação dos batalhões...
Uma infinidade de objetos burocráticos repetitivos.
Dificuldades que são transpostas com algum conhecimento pessoal. É onde entra a arte de cada um, o modo de lidar com situações, quer sejam administrativas ou operacionais, de modo a resolvê-las com maior presteza possível.
Outra carência detectável na cultura do obscurantismo do silêncio das comunicações é por conseqüência a virtual falência financeira à qual se submete o efetivo. A maior parte dos militares dedicados a atender setores estratégicos de benefícios indiretos para o país encontra-se em situação econômica restrita. Não acumulam quaisquer rendimentos evidenciados, o que em caso de grandes reviravoltas do mercado significam a deterioração da qualidade de vida de sua família.
Na aviação muito se observa e aprende. Um dos quesitos mais importantes nesse empreendimento moderno é a conectividade de soluções. A evolução desta necessidade resultou em empresas de excelência em serviços, com base na capacidade criativa de seus integrantes, cujo desempenho muitas vezes alavancava seus empregadores no mercado.
O histórico de paz do brasileiro permite alguns luxos e desperdícios administrativos que teriam sérias conseqüências em caso de mobilização emergencial. Essa é uma constatação que não dá senso de crítica ou censura, trata-se de um fato com o qual o brasileiro médio, conforme amadurecendo seu conhecimento, preocupa-se. Um dos desperdícios aos quais me acostumei foi a contínua perda de capital intelectual em nossas fileiras.
Por instrumento legal, alguns dos quadros mais importantes de nosso contingente são temporários. Havendo a oportunidade de realizar um serviço de guarda com uma Oficial bibliotecária, inteirei-me da necessidade de criação de um arquivo técnico-histórico. Dispunha a mesma de poucos integrantes que pudessem dar desempenho desejável à missão.
Senti-me compelido a ajudá-la de alguma forma. Entretanto, minha destinação legal na cadeia de comando relacionava-se com atividade relativamente distinta, de comunicação. Concluí que meu superior imediato poderia necessitar de meu conhecimento no decorrer dos anos seguintes, cuja premissa era de acentuar a escassez de efetivo. Não sendo de meu agrado desfalcar uma estação Principal de Área, busquei não alimentar intenção de mudar de ares, como diversas opiniões o haviam sugerido.
Ocorreu-me a necessidade de fundamentar um auxílio próprio, na limitação de minha competência, sem prescindir da capacidade legislativa em atender a ambos.
Decidi por reservar alguns minutos por dia para visitar a biblioteca. E em cada visita, fazendo-me valer da lei 6.880, de 09 de dezembro de 1980 em seu artigo 37, poderia complementar a atividade, na instrução ou administração. Bastava levar o conhecimento histórico dos dispositivos administrativos aos quais era íntimo quando ainda era soldado. Havendo trabalhado no expediente durante alguns anos, tornei-me afeto a atos administrativos, compreendendo de forma natural sua formação e reflexos legais.
Favorece-me até hoje ter participado de três cursos de formação militar e um de especialização de soldados, onde somam quatro cursos avaliados de regulamentos. Inclusive disciplinar e penal.
Talvez por isso, tenha auferido êxito em concluir dezesseis anos de serviço com poucas detenções.
Na verdade, causa-me pouca comoção receber partes disciplinares. Acho curioso que na falta de enquadramento consistente, já tenha recebido punições questionáveis por ter trabalhado mal. Uma das mais marcantes foi alusiva ao plano de vôo de uma aeronave militar. A equipe inteira foi punida pelo serviço onde somente um operador poderia tê-lo errado!
Mas o termo por ter trabalhado mal influencia até hoje o entendimento de minhas alterações. Motivo pelo qual não há o menor esforço pessoal no sentido de ser transferido para qualquer outra Unidade.
É característica muito comum ser mais eficiente na área onde se tem natural motivação. “Necessidade faz o sapo pular” diz o ditado que, decerto, não é vão.
Tenho necessidade quase patológica da sensação de catarse. Aquela sensação de alívio que se tem a cada etapa vencida. O êxito em qualquer atividade é o verdadeiro tonificante para o esforço realizado. Catarse é a satisfação da realização. Algo como: você se priva da liberdade para trabalhar, e do trabalho advém catarse financeira. Só isso. E suficiente.
É diferente da adrenalina. A adrenalina sugere um estado de excitação perceptiva. Quem se habitua a viver sob os efeitos sensoriais do MotoCross, por exemplo, tem necessidade de vivenciar situações mais arriscadas.
Traz-me catarse poder depurar eventualmente minhas próprias experiências, buscando o aprendizado de qualquer situação, positiva e negativa. A emoção do “fui eu que fiz” suplanta a vontade de ficar quieto por uma mesada. Minha experiência com o sabre alado conduziu-me exatamente para a seção onde comecei minha especialização, assim como minha experiência marital devolveu-me à residência de meus pais.
A percepção de riqueza ou pobreza, valor ou irrelevância de cada situação varia para cada um. Os acontecimentos de um dia, um ano, ou uma vida inteira pode estar mais vividamente na consciência para alguma pessoas, e outras não.
Consciência é o que discerne o indivíduo responsável, o desejável para desempenhar papéis ou atividades em que devam ser realmente capazes de agir. Pode-se afirmar, desse modo, que o que se espera de um bombeiro é a máxima eficiência humana em combater incêndios. É o que presume a vasta documentação que rege seu funcionamento.
Quanto ao policial, o que se espera é que policiem a vizinhança. Não que tornem um inferno a vida de quem trabalha com atividades mais complexas que a de multar apressadinhos. No universo dos apressados, há muita gente realmente ocupada.
Gente como o Otto. Otto era um cara quietão, do tipo que entra mudo e sai calado. Mas era um cara que prestava atenção e não dava trabalho. Era terceiro sargento e eu, soldado, imaginava a moral, traduzida em conhecimento profissional, do futuro Suboficial Otto.
Enquanto terminava de protocolar os radiogramas, via seu exemplo. Por ser quieto e consciente, provavelmente percebia o modo imprudente como viviam seus convivas. Havia os que vibravam com quaisquer bobagens que instalássemos. Havia também os que nunca estavam satisfeitos. Otto parecia não pertencer a um grupo, nem a outro. Era, decerto, um dos mais discretos militares que conheci.
Trabalhou comigo, na estação V-26. Lembro-me dele trabalhando também para o Centro Operacional Integrado. Defesa Aérea. Morreu no acidente da Gol, pouco foi comentado. Morreu anônimo como viveu.
Não houve Suboficial Otto.
"Cada um na vocação em que foi chamado, nela permaneça." (Vulgata)

Talvez minha vocação seja ajudar a justificar meus conterrêneos. Se há algo que aprendi com o melhor que encontrei, muitas vezes penso em Cristo. O exemplo divino se manifestando no físico.

É possível perscrutar o que se passava na mente do Mestre. Ao finalmente compreender a origem pouco desenvolvida dos homens e tomar conhecimento de sua pouca compreensão, apiedou-se de tal forma que decidiu justificar pessoalmente ao Pai por todos os demais. Mas o efeito foi muito além dos fatos: Cristo, mesmo sujeito a muito mais que a perda de seu conforto deu o exemplo que somos apenas os meios, mas com toda a importância: somos os meios.

Os meios por onde a própria Criação pode sentir-se amada, revigorada.

Por isso, nunca compreendi muito bem o termo “pegar ‘fulano’ para cristo”. A condenação, representada pela crucifixação, talvez seja parte de um processo onde seu exemplo renderá o desenvolvimento de toda uma nova mentalidade. Uma mentalidade superior aos ensinamentos anteriores. Essa mesma relação de envolvimento humano-metafísico repete-se e espelha-se em vários aspectos de nossas vidas. Na verdade, elas são determinantes nesse processo.

Talvez o maior ensinamento tácito que tenhamos recebido é que não precisamos de oponentes para sermos felizes. Países não-beligerantes agem dessa forma. Talvez esse sentimento de paz, numa medida muito própria do que acreditamos possuir por paz, leve-nos muitas vezes a afirmar que Deus é brasileiro.

Por que negá-lo? Que melhor momento para a paz do que aqui? Que época é melhor do que agora?

O inventor do miojo deixou um aprendizado muito sincero: ”Enquanto houver comida, a paz está assegurada”. Há algo fisiológico no ser humano que o determina assim.

A saciedade é um dos motivos de apaziguação. Apaziguado o estômago, a mente ou o espírito é que o ser humano médio adquire o melhor estado de reflexão. Uma mente desprovida de energia é como um motor poderoso sem combustível. Com potencial, mas inútil.

Transpondo essas constatações para a sociedade da qual participo, não é de se estranhar a desmotivação dos rostos de alguns grupos. Se é fácil receber um sorriso natural e afável nas quadras do Plano Piloto, não se o percebe igualmente no Pedregal. Talvez com o decorrer do tempo seja possível em qualquer lugar do Distrito Federal encontrar gente disposta, positiva e atuante. Essas características, entretanto, estão relacionadas com a qualidade de vida de cada indivíduo.

É no Serviço Militar brasileiro que há teoricamente a participação isonômica de três, das quatro classes sociais básicas: filhos dos ricos, pobres e da oscilante classe média. Dentro dos quartéis homogeneizamos a convivência de três tipos representantes da evolução financeira e social de nosso país.

Como se distribuem esses indivíduos? Como estabelecer uma linha média de suas características pessoais e potenciais? No modo como adquirem e gerenciam seus recursos.

Os filhos dos ricos evitam servir. Vêem a atividade como pouco rentável e buscam a realizar as atividades que dão maior retorno pessoal. Raros os que decidem dedicar-se ao meio militar. É mais fácil encontrá-los entre os oficiais superiores e generais. Não constitui regra, entretanto. Mas os poucos exemplos da classe pobre que atingem as maiores esferas de decisão sempre são referenciados por sua distinção. O restante é o que chamamos de “moita”. O cara que evita aparecer.

Os filhos da classe média costumam ingressar em uma de duas situações: via oficialato ou pelas escolas de formação de graduados. Normalmente, o serviço militar não é sua melhor opção, mas costuma ser a válvula de saída quando a pressão da competição por resultados se mostra superior aos seus esforços.

Os filhos dos pobres costumam ingressar nas forças como graduados ou praças. Não raro demonstram capacidade e passam a integrar o oficialato. A capacidade “política” desses raros exemplos definirá se atingirá os grandes comandos ou permanecerá confortavelmente em seções estáveis. Na grande parte das vezes, entretanto, permanecem soldados. As condições de ascensão de soldados são indiscutivelmente mais difíceis que as oferecidas aos sargentos. Isso advém de seu desgaste geográfico.

É possível afirmar que grande parte dos oficiais reside a menos de 15 km do quartel. Praticamente dentro da cidade. Isso facilita o acesso de tal modo que não se torne um suplício vencer o trânsito crescente das cidades, permitindo-os acordar confortavelmente a partir das 7:00h da manhã, configurando uma noção muito própria de classe média. Já os graduados moram em média até 25 km de seu trabalho. A distância adicional é suprida pelo empenho de suas energias financeiras na aquisição de veículo próprio. Muitos fazem de seus veículos próprios objeto do serviço e buscam ma medida do possível, permitir-se dessa forma ao máximo de sono possível. Buscam viver como a classe média. Soldados residem em médias superiores a 30 km do quartel. Não raro chegam atrasados, e no grande grupo de escoteiros, onde massificamos os filhos de nossos integrantes, são os mais punidos. A diferença é que do tempo quando o regulamento foi elaborado para os de hoje há muitos obstáculos a transpor para evitar dissabores administrativos.


Perceba-se que em nenhum momento, citei a existência de ricos no quartel. Minha definição particular de rico estende-se a pessoas que acordem naturalmente, sem o desespero da falência a que causaria sua ausência em qualquer envolvimento importante.

Considero rico, por exemplo, qualquer playboy dirigindo um bom importado nas ruas do Lago Sul. O que o torna rico em meu ponto de vista não é o relógio singular, a qualidade inegável de suas roupas ou o veículo confortável. É o tempo livre que suas condições no país o oferece. E o país, assim como seus pais, oferece mais ainda: ele pode dormir despreocupado toda noite, contando com a eficiência de seu governo para que possa dormir sossegado.

Apreciei essa distinção certo dia, ao abastecer “minha” motocicleta. As aspas são pertinentes, se contar do fato que a moto está registrada para fins de multa em meu nome, e mesmo que já estivesse quitada continuaria sendo paga por intermédio de meu “direito de utilizá-la”. Você pode quitar a moto, mas porta afora sua casa, ela jamais será totalmente sua. Se você não pagar para um terceiro, ele tomará seu veículo. E leiloará, e ficará com a sua grana.

Logo, a moto não é minha, é do Brasil. Seja lá esse quem for.

Enfim: enquanto abastecia a motocicleta do Brasil, cortou-me a frente um camarada com toda pinta de um californiano. Bermuda, óculos extravagantemente de bom gosto e um item importante: relógio. Quem usa relógio muitas vezes não conta com o tempo, e sim dispensa carregar consigo um aparelho celular. Rico nem sempre aparenta necessidade de comunicação.

A idéia que eu tinha de um tipo “playboy” ainda era a de um Tom Selleck. Quarentão, numa Ferrari vermelha. A Ferrari não era do “Magnum”, era carro da empresa. O rico, realmente, era o Higgins. Um tipo soberbo que causou uma pré-concepção da personalidade dos proprietários desses veículos.

Prestei atenção a esse detalhe em outro episódio similar, também durante um abastecimento. De uma Ferrari marrom metálica desceu um modelo de proprietário atual. Pneus extra-largos e tanque completado com gasolina de alta octanagem, ele retirou-se com a tranqüilidade de quem conduz uma perua da família.

Presumi que em ambos os casos, são filhos de gente milionária. E tem, nas imediações de sua vizinhança, diversos postos de serviço onde há um número a ser preenchido. Por dispositivos sociais, estão desobrigados de servir ao Estado em qualquer uma de suas inúmeras guardas.

Ricos estão desobrigados a compor o Serviço Militar Inicial, justamente porque não há espaço para eles. Sobra aqui fora para viverem uma vida plena. A lei de serviço militar deixa de integrá-lo, suplantada por legislações diversas. Seu sono está assegurado.

Enquanto isso, abastecíamos os veículos. Havia naquele momento como o há qualquer dia e momento do ano, uma guarda. Ao transpô-la, quase pude identificar o desejo do sentinela. Liberdade. Quem sabe a liberdade de poder deixar seu posto a quem o deseje e sair de moto por aí. O soldado sonha em ser classe média, e desconhece os sonhos de seu estágio superior.

Saí do posto antes do playboy. Não consegui convencer-me de qualquer motivo para queixar-me de sua existência, muito pelo contrário: lembrar-me da legislação de serviço militar fez-me crer que no processo democrático, nada mais justo que permitir aos nossos reservistas o direito de estar bem nutridos, descansados e prontos para a guerra.

Há vários modos de medir o valor militar. Um dos que mais aprecio é o jurídico. Outra é o funcional. O julgamento de cada valor é preordenado por nossas legislações. Mesmo em transgressões disciplinares administrativas, há em alguma esfera, o julgamento. Os dispositivos legais a que o brasileiro se sujeita quando se alista.

Para os alistados no Serviço Militar da Aeronáutica, vale a RMA 33-1, a consolidação da Lei de Serviço Militar. Interpretando a legislação, o serviço militar consiste em atividades que o indivíduo irá assumir como responsável em um quartel. É obrigação de todos os brasileiros, conforme estipulado também em outros regulamentos. Mulheres não são obrigadas ao serviço militar, mas ficam sujeitas a encargos de interesse da mobilização. Armem suas vassouras!

Sua classe não é de acordo com seu signo. É de acordo com o ano em que completa dezenove anos, ou seja: aos dezenove, caso não use saias, já deverá estar por obrigação desempenhando suas funções. Em tempo de paz, ou de guerra.

Diz ainda que você poderá ser voluntário, a partir dos 17 anos. Ao recrutamento.

O recrutamento compreende seleção, convocação, incorporação ou matrícula de órgãos de formação da reserva, e voluntariado, onde serão avaliados os aspectos físico, cultural, psicológico e moral.

Uau.

Isso significa que o cara mais importante quanto ao tipo de gente que entra no quartel é o alistador militar.

Fosse necessário com meu conhecimento de recruta realizar tal função, começaria da seguinte forma: reforçando as guardas. Isso mesmo: através de uma boa seleção, aumentaria o temor público de confronto com nossas guaritas. Colocaria o soldado mais perigoso na guarda.

A questão é que perigoso é uma definição um tanto vaga, dado a diversidade de autoridades que transitam na capital. Uma autoridade tem sempre mania de medir forças com outra eventualmente, checando seu “grau combativo”. Só há um campo onde a moral do indivíduo não tem a menor chance: o relacionamento familiar. Por mais tirano que alguém possa parecer no ambiente profissional, sempre há alguém que o leva por suas paixões.

A maior vingança de um militar contra um civil sempre vai ser o serviço militar obrigatório. Um civil que resida a quinze minutos do quartel economizaria inúmeros processos de atrasos, desobstruindo mesas e decisões. Tudo o que o alistador militar precisa para atrair para a guarda alguém que sabe lidar com o rico é o filho do próprio rico. Preferencialmente alguém que tenha por hábito usar relógio.

E se o Brasil entrar em guerra, sua mulher. Ninguém discorda que se há alguém que exerce mais poder do que os próprios ricos, pobres ou classe média, são suas mulheres – esposas ou não. A verdade é que por trás de um grande homem ou um total fracassado, há uma mulher. Mesmo que a própria mãe.

Exageros à parte, dispositivos semelhantes mantêm o efetivo em baixo desempenho financeiro. No momento em que o jovem atende ao chamado e se alista, de um a quatro anos serão “investidos” em uma atividade. Ao cessar essa atividade, deverão encontrar espaço para convívio com os demais de sua classe. Sua reabsorção pelo mercado de trabalho poderá ser dificultosa ou não.

O país o retribui destacando-o entre os reservistas. No caso de mobilização, quem serviu terá precedência funcional sobre quem ainda será instruído. Alguns retornarão às atividades pelas quais foi instruído e participarão da instrução e administração.

O emprego estará a cargo dos mais modernos. Os filhos de amanhã dos que não serviram hoje.

sábado, 10 de abril de 2010

Awake...

Acordei à força. Depois do pernoite é antinatural para qualquer pessoa acordar sorridente. O agravante é que o cérebro rejeita qualquer situação desagradável.
Quando se acorda para a vida e tenta crescer rapidamente perde-se a paciência com pequenas coisas. Coisas que podem parecer mínimas. Um homem submetido ao pernoite tem mau humor característico de mulheres em “dias de chico”.
Mulheres incomodam-se com coisas que variam da desorganização da casa à tampa da privada levantada. Quanto à desorganização é fácil entender: ninguém que goste das coisas arrumadas tem paciência com quem bagunça.
A tampa da privada é uma questão mais pessoal. Mulheres não utilizam sanitários da mesma forma que homens, a não ser ao vomitar. Desejam que o mundo as receba com a tampa fechada e o assento limpo. Homens se acostumam com o tempo às condições adversas e inversas, por isso não nos incomodamos com muita coisa na vida. Simplesmente mijamos em pé.
A tampa da minha privada é quando dou atenção às suas atenções. Mesmo no ambiente de trabalho, com gente culturalmente selecionada, a tendência das mulheres ainda é optar por canais de reality shows, novelas e filmes adocicados. Informação zero. Isso é o que percebo trabalhando com as que passam em concursos públicos e se agregam anualmente ao ambiente militar.
O que pode uma mulher objetivar com tal informação?
A apelação magnética dos reality shows e novelas têm o mesmo efeito emburrecedor dos desenhos animados de minha infância. São passatempos do pior tipo para adultos. Mulheres parecem evitar o mundo dos adultos, sabe-se lá por que diabos. O fato é que quanto mais busco aperfeiçoar meu conhecimento, mais me distancio das pessoas “normais”. O universo da realização humana está longe dos roteiros de novelas. O universo do sucesso está longe dos reality shows, ao menos para os espectadores.
Tenho necessidade quase patológica de fazer algo útil em meus dias. Não teria o menor interesse em escrever novelas, mesmo que fosse-me permitido mudar todos os discursos imbecis de “Bela, a Feia”, “Viver a Vida” ou qualquer outro programa idiota produzido para crianças, homens ou mulheres.
Aliás, muitos dos programas para crianças estão indiscutivelmente superiores à maior parte das novelas. Desenhos animados evoluíram. Novelas não.
Novelas divulgam situações de traições, desavenças e estilos artificiais de personalidade. São péssimos para crianças, e mantêm adultos em pior situação do que crianças. O lixo televisivo do Brasil encontra seu expoente nas produções insossas de gente velha que recebe uma nota preta para compor novelas com personagens ridículos, temas ridículos e finais imbecis. É o trabalho mais fácil do mundo: adaptar a mediocridade de suas mentes para o universo televisivo de cada casa brasileira.
Quando eu era criança meu pai me advertia, às vezes silenciosamente, que eu deixasse de assistir desenhos animados e estudasse. Era seu modo muito particular de sugerir que deixasse o mundo infantil e passasse às ocupações definitivas: ocupações de adulto. Deixei de assistir desenhos animados aos 16 anos de idade, salvo engano.
Personagens de novelas são como adultos que continuam a agir como crianças débeis, choronas ou birrentas. Há pouca coisa que me irrite mais que mulher que comenta novela. É como se proibíssemos os meninos de assistir desenho obrigando-os a estudar e mulheres tivessem autonomia de assistir e analisar criancices o resto de sua vida! Enquanto homens buscam na medida do possível se informar para se formar pessoas melhores, mulheres buscam passar seu tempo. E passa. Depois têm dificuldade de fazer valer o valor próprio, o natural respeito que se presta a pessoas bem sucedidas.
O detestável em relação a isso é que quem “dirige” novelas é muitas vezes um homem. Dado o nível de nossas novelas, duvido que se trate de um homem bem informado. Trata-se apenas de um homem “esperto” em fazer dinheiro, não importa o prejuízo de julgamento que cause a um país inteiro perdendo tempo com sua criação imbecilizante. Isso não me parece inteligente.
O resultado é que muitas vezes quando acordo ouço como idéias para enriquecer:
- fazer miçangas com garrafas pet;
- vender licor;
- juntar latinhas para vender.
Pronto: esse é o destino da vida para a maior parte dos que não evolui: vender bugigangas para quem também não tem dinheiro. Por isso não conseguem nada na vida e têm que apelar para o coração dos outros para mantê-los à sua volta. Dando comidinha na boquinha para que a cara-metade não se aborreça com suas mediocridades.
Receio desnecessário. Homens que aceitam “comidinha na boca” são os que assistiram muito desenho animado, enquanto a mamãe fazia suas mamadeiras. O que busca se interar e crescer toma para si próprio as rédeas de suas vidas – e dispensam tal necessidade ridícula por um self-service. Ou aprendem a fazer por si mesmos.
Houve um dia que foi muito curioso. Havia sido posto na frente da casa de meu pai uma faixa escrito “vende-se licor de jenipapo”. Sempre fui pessoalmente contra fazer de residência local de comercialização de qualquer artigo. Tira a privacidade de uma casa. Por isso, enquanto desenvolvia a pesquisa financeira que envolvia um carrinho de cachorro-quente, não fiz o menor esboço quanto a propagandas congêneres. Meu jeitinho babaca de dar o exemplo.
Tive uma noite de sono afetado, como tantas outras noites de serviço. Acredito que ninguém seja capaz de manter um bom humor após anos nessa experiência. Decidi dormir para recompor o organismo.
Acordei nove e quinze da manhã. Palmas no portão. Um coroa com cara de quem faz uma caminhada queria saber o preço do licor. Eu não sabia, nem tinha o interesse de saber. Mandei voltar às seis da tarde. Tivesse chegado uns vinte minutos antes, talvez encontrasse a interessada. Voltei para a cama.
Alguns minutos depois, um carro buzina. Outro senhor – dessa vez de idade – queria saber sobre o licor. “Seis da tarde” – foi minha informação novamente. Comecei a perceber que independente ficar acordado ou não à noite, as outras pessoas não dão a mínima. Continuam exercendo o direito de viver suas vidas, promissoras ou não – e seu bom horário de sono.
Deitei novamente na certeza de que não iria descansar muito. Quando outro carro buzinou na frente da casa-imobiliária de meu vizinho – e superior hierárquico – não tive dúvidas: levantei-me e mantive o mau humor.
Durante o dia, já que não poderia dormir como um cidadão comum, decidi continuar minhas pesquisas. Irmão do meio e namorada trabalhando para particulares, irmão mais novo dormindo, o ambiente encontra-se em silêncio. É o momento que tento desenvolver o máximo possível, dado o prejuízo do sono interrompido.
É difícil resumir o que vem à mente e é cogitado para registro. Os assuntos se interligam do modo difuso como se apresenta: em quadros. Na hora de pôr no papel dá um branco danado. Daí, para manter-me acordado, empreendo atividades paralelas. Exatamente o contrário do que meus professores ensinaram, ao invés de me concentrar, faço o que me dá na telha: pôr as roupas em dia, fazer a manutenção de veículos, o que for. Aos poucos, o mais importante do dia anterior ou dos últimos tempos retorna à mente e é descarregado no papel. De um ou outro aperfeiçoamento de planilha aos registros de queixas pessoais, vou acrescentando e eliminando itens, de modo a aproximar-me do cotidiano que interessa: o que posso fazer para tornar as coisas mais próximas ao desejável.
É um saco, como escrever um blog. Nossa vida não interessa a ninguém, a não ser que se tenha os mesmos problemas e se debata soluções com outras pessoas. Preferencialmente pessoas com conhecimento de causa comprovado. Um blog dá abertura nos comentários a opiniões diversas – e muitas vezes contraproducentes.
Tem gente que é capaz de entrar em um blog para depreciar o que o outro pensa. Outros põem tudo o que é depreciável como pensamento. Desse jeito, ninguém vai a lugar nenhum.
Uma das conversas mais interessantes que tive foi justamente a respeito do registro da Bíblia. Meu interlocutor havia assistido um programa de TV sobre os pontos de vista de apóstolos que escreveram sobre Jesus. Estávamos curiosos quanto à possibilidade de terem sido influenciados por impressões, não fatos.
Mesmo com suas impressões, codificaram-se os fatos. E é o que dispomos.
Essa preocupação me faz cuidadoso quanto ao que decido escrever. A intenção é ser o mais preciso possível quanto aos acontecimentos. Os mais importantes. Mesmo na internet, é importante deixar nosso melhor, o que valha a pena ser lido.
O que vale a pena ser lido desse texto é que se o leitor algum dia enveredar-se pela atividade de comércio, tenha a sacada mínima de pôr, junto a qualquer informação de produto, um maldito telefone.
Mesmo os vizinhos merecem dormir sem ouvir palmas.