quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rascunho

Os Alterados

Parte I – Anos de Empenho

Era um período de crise. Aquele tipo de crise em que poucos se comunicam com clareza de objetivos. Daí a falta de entendimento...

Os motivos que levam cada um a compor seu papel na vida coletiva contêm muito de nossas idiossincrasias. O da maior parte dos integrantes das escalas diuturnas era claro: dar andamento às suas atribuições, suas atividades rotineiras. A idéia que movia o senso comum era ater-se às atividades. Não era questionado se quaisquer outros setores apresentavam carências ou se atolavam nos processos burocráticos típicos do Estado. Realizavam sua parcela de colaboração – a condução segura de vidas humanas. Quer no serviço de guarda ou nas noites insones de cada pernoite, observava-se com perplexidade a ineficiência do restante do paí[A1] s. Onde passo a incluir-me, cumpríamos nossa parte.

Mas no outro lado do sistema – que correspondia aos setores financeiros, políticos e sociais – as coisas mudavam com grande velocidade. Era fortemente perceptível a diferença entre as gerações da segunda metade do século 20 e a primeira metade do século 21. O brasileiro de antes era muito mais voltado ao coletivo, ao próximo. Num estoicismo digno de paróquias, não há exagero na afirmação de que abdicavam de suas próprias vidas para o bem estar dos outros – não influenciava negativamente na qualidade de vida pessoal. No capitalismo, socialismo, ou qualquer outro sistema de organização político-social ou financeiro que se crie, sempre haverá diferenças de pontos de vista. Contanto, claro, que haja pontos de vista. O do leitor certamente é influenciado por sua condição pessoal, seu papel social. Hoje, quando a visão de mundo é formada pela informação nem sempre completa oferecida por TV, internet e jornais, permanece – e até se acentua – uma imensa massa ignorante. Não é culpa de cada um conforme se apregoa por aí, considerando a difícil tarefa de selecionar tanta informação, de processar a complexa compreensão de como vários setores em nossas vidas particulares se interligam. Difícil convergir interesses de todos. Disse difícil, espera-se que não seja impossível.

O interesse do brasileiro médio é ganhar tempo. Perder o mínimo desse precioso crédito diário para que se usufrua o máximo rendimento possível em suas atividades diárias. Quer para fechar negócios, quer para viajar com seus familiares, não se deseja perder tempo. Mas não se crê que para tal seja interessante ignorar a segurança. Por isso, quando algo tão comum quanto embarcar em qualquer meio de transporte o leve a presenciar cenas de horror – ou perecer nelas – existe a avaliação íntima de risco, custo e benefício.

Vários motivos mantêm pessoas em suas atividades. Alguns trabalham pelo retorno financeiro, outros por reconhecer que há nobreza em sua atividade – esses são mais raros a cada dia. Para esses últimos, ocupar cargo ou função de Estado normalmente traduz o desejo de poder decisório. De tomar para si a responsabilidade de decidir pelo mais lógico ou eficiente desenvolvimento de sua atividade. Principalmente durante e pouco após o período da ditadura militar. Era um período onde ostentar um uniforme proporcionava satisfações variadas. Bons tempos.

Findo o período da ditadura – o que certamente causou desgaste crônico na imagem militar - as seqüelas de ações que em curto prazo pareciam lógicas são sentidas até hoje. Muitos dos que antes eram perseguidos por opinião voltaram pouco a pouco ao cenário político. E cobraram seu preço. Hoje é fácil encontrá-los, integram o próprio governo, federal ou estadual. Gente que antes cogitou a revolução armada aprendeu rápido a galgar urnas e atingir objetivos via voto. Mesmo visando fins essencialmente pessoais. Eleição é um concurso de popularidade.

Mas após 88, passado o bastão político de volta para os civis, as coisas foram mudando gradualmente. Qualquer um que demonstrasse real preocupação com nossas fragilidades na área de segurança causava torcer de nariz generalizado. O senso social era crer que as forças armadas constituíssem um peso financeiro ao Estado. Os cortes financeiros começaram. Agravaram-se durante a era Collor e estenderam aos dias em que dei andamento à necessidade de não deixar de registrar o que pudesse no tocante ao resultado dessas decisões.

E é difícil escrever. O maior dos entraves para tal empreitada é a própria lei. Tanto para militares quanto para civis, há leis que proíbem que se externem assuntos afetos ao trabalho. Entretanto, há de se extrair aprendizado dos fatos. Esse é o foco mais importante, a lição mais valiosa, herança para nossas novas gerações.

Um dos grandes aprendizados é que nas relações de trabalho, principalmente no que tange ao desempenhado por militares, deve haver um intenso comprometimento. Não somente por parte dos trabalhadores de ponta, cuja prova de sua capacidade foi o funcionamento regular durante anos de controle de tráfego, muitas vezes à guisa de investimento apropriado. Ao contrário do propalado pela mídia e autoridades, havia de se manter constante planejamento e empenho em dinamizar e otimizar recursos, em especial recursos humanos. Triste constatar que o interesse de muitos estivesse voltado ao benefício pessoal, relegando inclusive a profissionais terceirizados soluções complexas. O empenho de cada profissional de tráfego aéreo em transpor barreiras administrativas e técnico-operacionais na proteção de nosso objetivo – a segurança de vidas humanas – caracterizava o valor da dedicação pessoal desses homens e mulheres. Em seus variados graus de comprometimento é inegável que o produto de suas próprias vidas, privadas de noites de sono e tempo qualitativo para suas famílias tenha sido uma grande contribuição para a sociedade num todo. Tive a grata satisfação de conhecer grande variedade desses heróis. Verdadeiras autoridades na guerra diária contra a degradação da pequena parcela do Estado que foi depositada em suas mãos. Agentes administrativos militares de grande potencial.

Agentes que decidiam quando era seguro ou não progredir o transporte de pessoas.

Autoridades que decidiam sobre o bem mais precioso em suas telas. A vida de seus semelhantes.


[A1]Redunda à frente

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