segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Cara

Não costumo me enturmar com gente que ganha dinheiro demais. Na maioria dos casos, ter dinheiro demais te predispõe à preguiça de não fazer pequenas tarefas interessantes. Tanto eu, quanto a maioria de meus amigos concordam que é ótimo saber sair de uma pane mecânica do automóvel sem recorrer ao mecânico. Há locais onde não há mecânicos, e é exatamente nesses locais que gosto de andar.
“-É o cara!” – uma frase que ouvi muito ao longo de incursões no Goiás. Costumo observar que os mecânicos das oficinas autorizadas são bons. São treinados para substituir e regular as peças voltando motores ao estado de novo. Qualquer primata bem treinado consegue.
Agora, o que eu já vi de gambiarra que gente comum é capaz de fazer para sair do “prego” não tá no gibi. Há mais de dez anos, o fusca de meu pai não queria funcionar nem no tranco. As baterias daquele tempo eram muito menos eficazes que hoje, e após algumas tentativas a descida estava acabando.
Ao longe, uma equipe de serviços gerais capinava o clube – Clube Almirante Alexandrino, salvo engano. E observava. Alguns minutos depois, perguntavam o problema. Lembro-me perfeitamente de um deles ter falado alto: ”O ‘Pulgão’ conserta!” e em dois minutos apareceu um camarada que não parecia entender nada de automóveis. Acho que eu tinha uns 12 anos, a idade limite para o curso de vela, classe Optimist. Desisti do curso, mas costumava ler toda sorte de revistas e livros de mecânica automotiva, e não pus a menor fé que o camarada que estava capinando conseguisse resolver o problema.
Para meu espanto, o cara foi direto no problema. Levantou o banco traseiro e acesso o conjunto bateria-regulador, deu uma alisada embaixo do regulador de voltagem e disse para dar um tranco. O carro era a álcool na época, e pegou na primeira tentativa.
A primeira coisa que lembro ter ouvido foi um dos funcionários dizendo: ”É o cara!”
Minha surpresa foi tamanha, que passei a prestar mais atenção às capacidades de um ou outro indivíduo mais safo que encontrei no decorrer do tempo. Uma vez vi gente sair da pane aplicando um pano molhado no corpo da bobina de ignição, ouvi falar até de por ovo cru em radiadores para conter vazamentos. Acho que a tecnologia mecânica favorecia sair do sufoco.
A tecnologia eletrônica mudou tudo o que era característico dos automóveis e motoristas. Era muito comum, caso seu veículo apresentasse defeito, que algum “Pulgão safo” se propusesse a ajudar. Isso acontecia com certa freqüência na década de 70 e 80.
Mas após a Injeção Eletrônica, Ignição Eletrônica e seus derivados, é muito pouco provável que se consiga pôr em funcionamento qualquer veículo sem a necessidade de um mecânico especializado. E ferramentas especializadas.
Daí que essa é minha crônica, que escrevi para justificar-me às pessoas. Tem gente que acha uma atitude estranha agir de modo diferente para a mesma situação. Quando vejo alguém na rua com problemas no carro, às vezes paro para ajudar, e às vezes não. Por incrível que pareça, não costumo parar para carros novos. Quem tem um carro novo tem que ter o cartão de guinchos, essas coisas. Seguro. E quando o carro é velho, só paro quando tenho bastante tempo disponível. E ferramentas.
“O cara” para os brasileiros corresponde a “The One”, para os americanos. A gente traduz por “o escolhido” – “The chosen one”. No universo automotivo tem o cara da lanternagem, o cara da parte elétrica, o cara do vidro elétrico... mas se conhecer alguém que saiba de tudo, já não é o cara. É “the one”!

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